Excelente artigo de Sávio Alencar, no Diário do Nordeste (14 de agosto de 2021).
Tarde demais encontrei Elvira Vigna. Parece pouco honesto colocar a situação nesses termos. Tarde, na verdade, porque eu gostaria de saber que era seu contemporâneo há mais tempo. Era 2012? Flanava pela livraria quando um título me chamou a atenção: “O que deu para fazer em matéria de história de amor”.
Não pensei duas vezes, nem sei se cheguei a ler a orelha ou a quarta capa. O título me enlaçou. Algo no nome da autora me prendeu. Vigna soava inusitado para o meu ouvido. Li o romance e adorei. Se antes da leitura intuía que estava diante de um daqueles livros a que chamamos de livro da minha vida, a premonição se cumpriu ao concluí-lo.
Não era exatamente o que eu esperava. Nenhuma história de amor exemplar. Assim ela começa: “Chega um cheiro de cigarro da mesa ao lado. Aspiro. Não fumo, nunca fumei, se me perguntarem, não gosto de cigarro, não perguntam, já sabem. No entanto, gosto. E podia parar por aqui. Porque é nisto que penso. Nessas histórias que parecem uma coisa e são outra.”
Era uma armadilha. Típico de sua literatura, o que eu saberia algum tempo – e alguns livros – depois. Se uma rosa é uma rosa, como no poema de Gertrude Stein, as histórias de Elvira colocam em xeque todas as nossas certezas. Essas histórias que parecem uma coisa e são outra. Como tudo na vida.
E não falta vida, quero dizer, experiência humana, nos livros de Elvira, que flagram esses sujeitos meio perdidos ou em trânsito que nós também somos, em busca de um sentido para estarmos pisando este chão.
Por isso mesmo sua literatura hoje é rara, neste tempo em que muitos escrevem, mas têm pouco a dizer. Elvira Vigna tinha uma história quando sabia o que contar. E, mais importante, por quê. Sua literatura nasce dessa certeza – e dessa honestidade. Recomendo a entrevista da autora a Mariana Mendes, do canal Bondelê. Está no YouTube.
“Devia ser proibido escrever romance antes dos 50 anos”, diria Otto Lara Resende, que reescrevia seu único romance, “O braço direito”, a cada edição. Menos radical, outra lição, de José Saramago, pode se juntar a essa: “Escrever é um modo de viver, mas pressupõe ter vivido.” Quem escreve estará vivendo? O resto é silêncio.