O que deu para fazer em matéria de história de amor – críticas

ELVIRA VIGNA : O QUE DEU PARA FAZER EM MATÉRIA DE HISTÓRIA DE AMOR – uma seleção de críticas publicadas na imprensa, entrevistas, palestras e monografias acadêmicas sobre o livro
arquivos internos de ‘o que deu para fazer em matéria de história de amor’:
trecho do livro
críticas no exterior

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Raul Arruda Filho – blog Raul e a Literatura, 09/07/2012

Puro exercício de linguagem, as palavras emolduram as ações projetadas para abranger discursos conflitantes, ambigüidades, incertezas, titubeios, nada do que parece certo permanece, desaparece nessa planície composta pelas 203 páginas do romance O Que Deu Para Fazer em Matéria de História de Amor, escrito por Elvira Vigna. Vinha, virá ou deixará de vir, ver, rever, revolver algumas promessas que sugerem estar escondidas no meio do vinhedo que nos embriaga nos sucos alcoólicos que compõem, decompõem, põem na mesa, ao lado dos alimentos, uma, ou melhor, várias histórias de desencontros amorosos, sexuais, banais, que exageram nas dores, flores não há, muitas dessas colisões arrebatadoras deságuam em rimas pobres, trepadas fugidias. O objeto do desejo deseja ser objeto ou trapaça? Ameaça latente no seio familiar, familiar seio mordiscado com carinho e volúpia nessa luta constante em que os corpos transitam entre camas e cenas de adultério encenadas no banheiro, durante banhos desajeitados, não planejados, desejados durante muito tempo. Não devem ter nem se beijado. Não é sobre tesão, essa história. Entesados sentimentos retidos na fonte resultam na dramaturgia dos sentimentos, precários hematomas emocionais, alguém levou o soco no queixo, beijou a lona, viu estrelas, sonhou maus sonhos. Não há nada a t(r)emer. Günter e Arno são irmãos, meio?irmãos, diferentes e antagônicos, Günter é homem rico, dono de gráfica, Arno é homem pobre, artista plástico, Günter casou com Ingrid, ficou viúvo de Ingrid, não sobreviveu ao segundo casamento com a Inacreditável Claudete, Arno casou com Rose, talvez não tenha amado Rose, Rose foi amante de Günter e Ernest (Ernie), Roger é filho cartorial de Arno, Roger é filho biológico de Günter, Roger foi casado com alguém propositalmente inominada, Roger é pai de Lígia, Lígia detesta a narradora, a narradora se sente desconfortável na presença de Ligia, Roger foi namorado e amante da narradora, Roger é isso e aquilo, bissexual, amante de Santiago, dono de galeria de arte, e, no mínimo, um filho da puta, literalmente, literariamente, parceiro nessa mesa de jogo onde quase todos os personagens possuem nomes teutônicos, leilão de trunfos, blefe em forma de royal straight flush, a peça encaixada no espaço vazio do quebra?cabeças projeta o desenho que está, esteve, estará escondido, bispo na sétima casa do bispo do rei, xeque, a força da ameaça substituindo o que precisa ser afastado, os bárbaros preferem arrebentar as portas ? esquecendo que é mais fácil procurar pelas chaves debaixo do capacho. Certas historias refletem pesadelos, não há modelos capazes de descrever o horror relatado pelas palavras, essas que pelo texto estão desfilando, desfiadas, desafiadas a verem a luz proposta pela aposta de Penélope, ardil e redil tecido durante o dia, desfeito durante a noite, retendo a enunciação de propósitos e interesses. Conteste esse teste se for capaz, diz aquele que nada quer entregar enquanto armazena o máximo de significados e (in)significantes, a economia narrativa quase à míngua, tamanha a ausência de informações, não é possível ignorar que protelar o desfecho é a meta, o alvo, salvo nada está nesse caudal que se estende pela narrativa, o escuro é sempre o espaço em que contido está o escuso, há todas essas histórias por trás da nossa história, a lembrar que Sherazade também armazenava informações, também recusava caminhar pela límpida trilha que leva ao entendimento, à ausência de sofrimento, emoções manipuladas em doses homeopáticas vão camuflando os acontecimentos, distribuindo pistas, compondo trajetos e travessias até chegar ao desfecho, O que falo é sempre quase nada. E é o que ele repete, com variantes, neste caso também. O que falo e mostro pode perfeitamente não ter nada a ver com nada, duas gerações que trepam entre si, trai mais quem trai menos, o corpo da doença habita o coração e aquele apartamento no Guarujá, onde estava escondida a última peça artística de Arno, onde o rebaixamento sexual se pronuncia em carências e gozos no corpo do Alemão, onde finalmente a clave do raciocínio é cravada nas feridas dos muitos cadáveres que povoam a narrativa. O amor é o cemitério que chamamos de desfecho narrativo. Quase ao final, Santiago aparece em cena como uma boa alma, antes de ser devorado pela AIDS aceita morar com a narradora, aceita em cartório que o filho da narradora tome o seu patronímico, patronímico falso como devem ser todos os patronímicos nessas histórias que encobrem as verdadeiras mentiras, essas que são celebradas em dedicatórias e saudades. Ser pai do filho do amante é uma das formas mais do que disformes de castrar Roger, de subtrair a virilidade que ambos desfrutaram entre massagens e penetrações. O último mistério resolvido é a drágea de remédio substituída por algum placebo, reticências a encaminhar o entendimento à direção oposta, resiliência que aposta na soma somada ao montante em cima da mesa, espectro a assombrar os jogadores – isca ofuscante, recurso de quem está pensando em não estar. Viver e morrer são estações intermediárias de uma história muitas vezes insatisfatória, muitas vezes sem fim. Fim.

 

 

 

Anderson da Mata – O Globo, Prosa e Verso, 23/06/2012

O novo romance de Elvira Vigna, “O que deu para fazer em matéria de história de amor”, funciona, de partida, como uma provocação à onda de publicações de “histórias de amor”. Como toda onda, esta foi alimentada por textos encomendados e por respostas espontâneas à demanda que, se supõe, seja do público. No romance, escrito em 2006 e só agora publicado, Vigna, de alguma forma, antecipa o seu quinhão nessa discussão, já se desculpando: em termos de história de amor, não deu para fazer muito.
A narradora do romance, desde o título, parece descrer da possibilidade de se contar uma história de amor dentro do esperado. Mais do que isso, ela não acredita nem mesmo na possibilidade de se contar uma história, qualquer história, dentro do esperado. No entanto, apesar de desinteressada, ela tenta e conta não apenas uma, mas três (ou quatro) histórias de amor. A narração da tentativa de escrevê-las, porém, é o que sustenta seu romance.

Narrativa com idas e vindas reflete sobre os próprios limites

Hospedada em um apartamento no Guarujá, de cuja venda se encarregara, a narradora, cujo nome não é apresentado, decide contar a história dos antigos moradores do imóvel. A partir daí desenha-se a quadrilha vivida em jogos semanais de cartas pelos casais Arno/Rose e Gunther/Ingrid. O foco, no entanto, é no triângulo protagonizado pelos irmãos imigrantes alemães Gunther e Arno e pela esposa deste último, Rose. É desse triângulo que nascerá Roger, com quem a narradora vive sua própria história de amor. Sem recorrer a espelhamentos fáceis, ela, no entanto, encontra um tipo de identidade entre o casamento duradouro e frio de Arno e Rose, a transa fugaz entre Gunther e Rose e sua própria relação com Roger, marcada por algum distanciamento e pelo descompromisso com convenções de fidelidade e heterossexualidade.
Hesitante, a narradora mostra-se consciente de que contar uma história de amor tem mais a ver com o ato de remontar as pequenas histórias do cotidiano, mais ou menos monótonas, mais ou menos medíocres (e mais ou menos reais), do que com uma narrativa de forte tensão dramática com heróis e heroínas capazes de grandes feitos. Então, essas histórias são contadas de modo quase balbuciante, com idas e vindas em fatos entregues repletos de lacunas para o leitor, que são preenchidas por digressões sobre o ato de narrar o real, mantendo sua falta de sentido, como na reflexão a seguir: “ao por uma ordem — outras são possíveis — nestas histórias, fico tentada a descobrir as dificuldades, tantas e tão óbvias, para que eu não nos descreva com a falta de sentido que nos definia. E talvez defina”.
É assim que têm se comportado as engenhosas narradoras de Elvira Vigna: aparentemente com pouca segurança. Interessadas em contar uma história, elas duvidam do que dizem porque não confiam na matéria-prima com a qual lidam: a estrutura esponjosa da imaginação e da memória. As frases curtas não indicam certezas — elas afirmam e negam com a mesma frequência, duvidam afinal. Por outro lado, elas têm um método, apresentado de modo até mesmo insistente na narrativa, por meio de algumas frases de efeito ou de símiles ora líricos, ora bem humorados. Pois outro traço que tem marcado as narrativas de Vigna é o humor, que aparece como uma ironia — cáustica, quase amarga — que, em “O que deu pra fazer em termos de história de amor”, começa a ser construída na personagem de Rose e se estende até a narradora.
A descrição feita pela narradora da técnica utilizada por ela para comer o milho cozido, que pode ser comparada à da própria narração, é, por exemplo, uma das provocações mais bem humoradas à pompa esperada de uma história de amor. “Mordo um milho cozido”, ela anuncia. Em seguida, completa: “Na primeira mordida queimo o lábio inferior. Eu como o milho por fileiras, primeiro sete delas, alternando, uma sim, outra não, e depois as outras sete que restam”. E segue: “Todos os milhos que comi na vida tinham o mesmo número de fileiras, e que vem a ser catorze. Isso se você desprezar o que acontece na cabeça do milho, a parte mais grossa da espiga, em que cada dia mais as fileiras se entortam, bifurcam ou nascem anãs”. É uma metáfora esteticamente canhestra para o ato de narrar — controlado apenas na medida em que se ignora a matéria bruta e caótica dos fatos, mas que ainda assim é capaz de queimar o narrador.
No romance, desde o capítulo inicial, o leitor tem acesso a informações sobre toda a história, inclusive sobre seu desfecho. Ao mesmo tempo, sabe-se que a narradora se compromete cada vez mais com a história das personagens, que falam muito sobre ela. A respeito da razão pela qual escolheu a história de Rose como ponto de partida da sua narrativa, ela justifica: “Se recomeço com Rose mais uma vez (tentei antes, e muito), cineasta que sou de fins de tarde, é porque com ela acho que preciso de menos palavras. E recomeço especificamente com a dança, porque dança não se descreve. E esta dança de Rose não me exige palavras, a imagino a partir de outra dança, que é a minha”. Além disso, completando a metáfora do milho, é só no curso da leitura que essa história, inicialmente fragmentada, contada em flashes, vai ganhando corpo e se completando, à medida que a narradora opta por entregar mais informações, ou por inventá-las.

Desinteresse pelo grande enredo é gesto transgressor

A provocação estética constituída pela metáfora está fundada no fato de que, em uma narrativa cujo protagonista (Arno) é um artista plástico concretista em vias de consagração, opta-se por discutir o processo de criação a partir de um prosaico milho verde. Há um desdém significativo pela grandeza da arte que está por trás do próprio princípio narrativo do romance. Do mesmo modo que Arno não faz uma grande arte, a narradora não está empenhada em escrever um grande romance. Ela escreve o que dá para fazer, recorrendo a alguns lugares comuns como o triângulo amoroso, a paternidade questionada e o crime passional, sem investir forte carga dramática em nenhum desses elementos. Este é seu grande gesto transgressor: o desinteresse pelo grande enredo sem deixar de levar a sério a importância das histórias, porém desde que surjam menores, na expressão de sua mediocridade.
Observadora da classe média com a qual se relaciona, ela se insurge contra o que denomina “bem-estar de batata frita”, isto é, uma zona de conforto medíocre à qual parte dessa classe média se agarra e da qual as histórias de amor convencionais são um bem simbólico e um símbolo de estabilidade. Sua oposição se dá pela via do desconforto, da consciência irônica de sua condição. “Somos todos sem sentido algum mesmo, em nossas vidinhas em que nada acontece”, afirma a narradora. E é aí que ela termina por encontrar as histórias de amor, sem saber como acabam.

 

 

 

Noemi Jaffe – Folha de São Paulo, Ilustrada, 09/06/2012

O título do último romance de Elvira Vigna, “O que deu para fazer em matéria de história de amor”, já dá bem as pistas do que se lerá.
É tanto uma confissão metalinguística, como se a autora estivesse fazendo uma autocrítica ou mesmo uma crítica à sociedade moderna, em que histórias de amor praticamente não cabem mais, como também uma descrição do conteúdo do livro, cuja trama (esgarçada, labiríntica) fala justamente sobre um jogo amoroso que flutua entre o possível e o impossível.
E é a própria oscilação entre metalinguagem e fluxo  narrativo que define a prosa deste romance.
A narradora, que conta a própria história, baseando-se também na história de personagens do passado, hesita sobre sua capacidade de contar o que quer que seja, logo no início do romance. “Podia parar por aqui”; “Se forçar a barra, chego no suspense”; “Quero, porque preciso da história. Precisamos. Digo, não eu e Roger, mas todos.”
E aqui, nesse rompante metalinguístico, a narradora não inclui somente a si, mas também a nós, leitores, que certamente também temos uma história de amor fracassada que é impossível contar.
Afinal, quem consegue, em tempos de pós-história e de pós-representação, contar qualquer coisa, quanto mais uma sempre ridícula história de amor?
Mas a narradora avança, mesmo que por uma narrativa intencionalmente gaga. É preciso que o leitor suporte as idas e vindas do texto porque as hesitações não impedem que a história seja finalmente contada.
E é no passado de quatro imigrantes do pós-guerra, aqui  no Brasil, e suas difíceis sobrevivências, que ela vai encontrar histórias de adultério, bastardia, moralismo e medo, com o necessário mistério que, além de tudo, envolve até certa crítica ao mundo da arte concreta e neoconcreta dos anos 1970, chegando a citar nomes e fatos reais desta época.
O maior mérito do romance está certamente na linguagem travada, bloqueada pelo excesso de autoconsciência da narradora, cujas contradições enriquecem mais do que confundem. Outro mérito é a coloquialidade e a simplicidade com que ela consegue narrar uma trama densa e complexa.
Mas, a partir do momento a cerca de um terço da narrativa, em que ela abandona as hesitações da fala e a metalinguagem e passa a contar os fatos de forma mais sequencial e próxima do convencional, a narrativa perde um pouco de sua força paradoxal e autocrítica e se aproxima de um romance de suspense mais conhecido.
O risco que a autora aceitou correr, no uso da metalinguagem e da dificuldade intencional de contar o inenarrável, deveria se manter ao longo de todo o romance.
Mas a densidade da trama e dos personagens, além da forma como a história do Brasil se entranha na vida e nos amores de todos, superam esse deslize.

 

 

 

Vinicius Jatobá – O Estado de São Paulo, Sabático, 19/05/2012

 

Elvira Vigna é a melhor ficcionista brasileira viva que só um reduzido número de leitores ouviu falar: há mais de uma década escreve romances sólidos e criativos, cada um deles diferente do anterior. Lendo Elvira fica evidente que este é o primeiro momento na história do País em que as mulheres escrevem com maior inventividade formal e temática que os homens.
O Que Deu Para Fazer em Matéria de História de Amor traz um olhar irônico acerca do vazio dos relatos diante de sentimentos absolutos, como as paixões e a solidão, que dominam o romance. A narradora repensa sua vida afetiva à luz do amor perfeito de um casal recentemente falecido, e enquanto escolhe o que ficará consigo entre os objetos de um apartamento a venda, elege o que fazer com a herança sentimental de guardiã da memória dos outros.
Ao longo de sua carreira, Elvira esteve mais preocupada com a atmosfera na qual relatos assim circulam e com o efeito dessa tal memória na vida das personagens. Seja a lembrança do amor, do assassinato de um pai, do adultério ou do retorno do exílio – pontos de partida da trama -, ela está sempre mais ocupada com a relação que seus protagonistas, após o ocorrido, têm com suas próprias histórias do que em torná-las visíveis. Seus livros apontam a maneira de como lidar com essa defasagem – são como compêndios instáveis de romances não escritos.

 


 

Entrevista a Talles Colatino – Suplemento Pernambuco, 05/06/2012

 

1) “O que deu pra fazer em matéria de história de amor” foi escrito em 2006, mas é publicado apenas agora. Ele sofreu alterações durante este tempo? Como você reconhece que um livro está pronto?

 

O livro foi recusado por várias editoras. Então teve esse tempo de limbo. Respondendo à pergunta. Pus coisas. É que vou cortando, cortando. Corto antes mesmo de chegar na tela. Corto na cabeça. E continuo cortando depois. E quando reli este livro, havia frases que não consegui entender. Aí devolvi verbos, artigos, sujeitos.
E tirei outras coisas. Uma descrição no começo que me pareceu bem ruim, por exemplo. Mas acho as mudanças superficiais. Ou seja, se sua pergunta é sobre o que faz um livro ser recusado ou aceito, não sei a resposta. Quanto a estar pronto, não acho que fique. Fica pronto para aquele momento. Se no momento seguinte você muda, e muda, o livro não está mais pronto.

 

2) Em busca de compreender o desafeto em torno de um relacionamento, a narradora de “O que deu…” parte de poucos fatos para construir uma história, que, no fim, é pautada, em suma, pela sua imaginação. Você acredita que as lacunas da memória, se depender de nós mesmo, serão preenchidas com fantasias que pautem as nossas necessidades? Do que é feito aquilo que a gente não conheceu ou, pior, não lembra, mediante a necessidade de narrar um fato?

 

Narrativas são sempre ficcionais. Qualquer uma. Mesmo as factuais. Mais: qualquer aposição de sentido é baseada em escolhas ou limites, ou seja, ficcional, ainda que pela não inclusão do que poderia estar lá.

 

3) O ato de tentar recontar sua história através da história de outra pessoa. Há uma tentativa de se redimir de uma culpa, ou maquiar um medo, numa ação assim? Olhar para o outro, na tentativa de encontrar a si, não é uma ação defensiva?

 

Sua quem? Se é de mim que você fala, não. A resposta sugerida por você, envolvendo culpa, não tem nada a ver comigo. Vem, talvez, de um pensamento religioso, que não é o meu. Culpa nenhuma. Uma curiosidade  benigna. Uma leve surpresa, perene, bem-humorada, comigo mesma. Se o “sua” é da narradora, também não. Se ela queria trepar com o cara, ela trepou. ação das mais legítimas. Para isso não enganou ninguém, não traiu ninguém, nem ela mesma. Se trepou por acaso, sem querer, eis uma coisa que pode acontecer. Então, culpa nenhuma, também aqui. Se você se refere à Rose, com a ausência emocional do marido, acho que ela também não teria culpa. Isso, se trepou. Porque a narradora infere que Rose traiu o marido, não que tenha certeza. Nem poderia.

 

4) Em palestra dada no Instituto Cervantes de Brasília, reproduzida em texto disponível no seu site, você relaciona o jogo entre material biográfico e ficção à participação do leitor. A estrutura utilizada em “O que deu…” permite a aproximação do leitor, a partir do momento em que ele se vê conduzido pela narradora a recriar, junto com ela, a história das pessoas que, de algum modo, poderiam afetar o seu relacionamento com Roger. Fale um pouco sobre este artifício aplicado ao romance.

 

Artifício nenhum. E certamente não “aplicado”. O sentido de qualquer coisa é dado pela tensão entre elementos, todos dispostos em uma mesma estrutura que por sua vez também muda sem parar a partir do que acontece nela. Assim, eu, a narradora e o leitor “acontecemos” juntos em um espaço, o do livro. O sentido é feito e refeito por todos. Não detenho um poder maior, dependo dos outros. Digo isso, aliás, no começo:

 

“E é um quase ponto final, e não um ponto final inteiro, redondo, indissolúvel, perfeito, porque a história, por mais que eu (me) imponha uma Rose, um Gunther e um Arno há muito extintos, nunca poderá ser só minha. Só contada por mim. Dela, meu controle é bem relativo.”

 

Portanto, não é “aplicado” e não é “artifício”. É este o livro. É isto o livro. E a relação que faço entre material biográfico e participação do leitor no texto citado por você, e que está na página do “O que deu…” no meu site, diz respeito à espetacularização na escrita. Sem pôr o leitor como plateia de um espetáculo já pronto e impessoal, ele terá sempre a seu dispor um espaço de participação que de outro modo não teria.

 

5) “O que deu…” coloca a narradora e, por consequência, o leitor, em uma encruzilhada diante de um possível fato que não se sabe se foi um crime, uma prova de amor ou, pior, se ele existiu propriamente. Neste livro você retoma o tema do seu romance anterior (“Nada a dizer”), o adultério. Em matéria de história de amor, as consequências de uma traição estão próximas as de um crime?

 

Não. Imagine. O crime (se é que houve) e a traição (se é que houve) são (seriam) ambos frutos oriundos de uma mesma situação, a de limites severos para uma individualização, agenciamento, subjetivação. Não há uma relação causal entre uma coisa e outra. Há um paralelismo. Trair e matar são duas possibilidades radicais de atuação para pessoas que se encontram frente a limites severos de atuação. Aliás, os crimes, em  meus romances, são sempre isso: uma probabilidade mais do que uma certeza, e sem motivo além do de transgredir um limite. A ideia sugerida na pergunta me parece, inclusive, conter um moralismo ausente deste e de qualquer livro meu.

 

6) No vídeo de apresentação do livro, você diz que os apartamentos ambientados no livro existem de fato. “O que deu…”, inclusive, você escreveu, isolada, em um deles. Como é sua relação com o espaço durante o processo criativo? Essa espécie de fuga, de ir para um ambiente que não é o seu cotidiano, é uma necessidade para trabalhar?

 

Não é fuga. É busca. Da dor, do desconforto, da ressensibilização. E sim, é uma necessidade.

 

7) Em 2010, neste Suplemento, você experimentou dar voz ao silencioso personagem masculino do romance “Nada a Dizer”. Foi um desafio dar voz a um personagem que você mesma julgava de pouca densidade? É confortável para você escrever a partir de um narrador masculino?

 

Não experimentei. Dei. E não foi um desafio. Foi um tédio. O personagem não é interessante. E ele não era silencioso, como você diz. Falava paca. Só que mentiras. Ao não poder mais falar mentiras, teve que, tanto quanto a narradora, se dar ao trabalho de reencontrar uma voz melhor. Tive um narrador masculino em meu primeiro livro publicado, o “Sete anos e um dia”. Está integral, no meu site, é só baixar. Foi publicado pela José Olympio. E no “Deixei ele lá e vim” apresento uma construção – árdua, cotidiana e não terminada – de gênero. Shirley Marlone é uma metamorfose ambulante, inclusive sexual. Descobrir o ponto de vista de uma história é tudo. É o mais importante. E, não, não excluo o ponto de vista masculino. Quando aparece, quando é este o ponto de vista “certo”, é este que eu uso.

 

8) Pensando ainda o artifício de buscar um “eu” no “outro”, o que a escritora Elvira Vigna busca na ilustradora e crítica de arte Elvira Vigna para a sua literatura? De que forma elas se cruzam?

 

Bem, já disse que, feliz ou infelizmente, não é um artifício. Lacan que o diga. Quanto á sua pergunta: as artes não andam de braço dado. Saber como uma enfrenta o desafio de existir (nesse nosso momento em que não há mais rituais e espaços privilegiados para nenhuma delas) me permite ver claramente a outra. Gostaria de saber mais de música, por exemplo. Acho que eu teria uma visão melhor de arte e literatura, se soubesse.

 

9) Qual é a função da ficção na sua vida? Você se apega àquelas definições, um tanto solenes, de que se escreve literatura para se salvar de algo?

 

Respondendo à sugestão de resposta embutida na pergunta. Não. Não me salvo. Tenho histórias. São minhas. Escrevê-las, pelo contrário, me liga a elas. Me compromete com elas. Respondendo à pergunta propriamente dita: a função da ficção na minha vida é a mesma função que a ficção tem na vida de qualquer pessoa. Sem ela, a gente não faz o menor sentido. Quanto à literatura, foi esta a forma que escolhi para exercer e fortalecer a minha ficção diária e ininterrupta. Por quê? Sei lá. Dados biográficos, acasos, momento histórico ou tudo junto.

 

10) Seja num intervalo entre um livro e outro ou mesmo durante o processo, existe o momento de cansar da literatura (ler ou escrever)?

 

Quando acabo um livro fico sempre muito burra. Sendo gentil comigo mesma, me digo cansada. Aí vou pintar. Ou passear, o que é muito parecido.

 

11) A literatura depende de um leitor ideal? Quem seria o leitor ideal para a sua literatura?

 

Não sei o que quer dizer um leitor ideal. Não entendo o termo. Aliás, não precisa nem ser leitor. Não sei o que quer dizer ideal. Como assim ideal? Que não existe?

 

12) Está trabalhando em algum novo livro? Pode adiantar alguma coisa?

 

Se você chama trabalhar passar horas olhando o nada. Estou sim. Arduamente. Aliás, há muito, muito tempo.

 

 

Entrevista a Diogo Guedes – Jornal do Commercio de Pernambuco, 27/05/2012

 

1 – Começo perguntando sobre o título, que traz uma dupla possibilidade de insatisfação, como se o amor e/ou a história ali encontrados pudessem não ser o ideal. Então, por que falar de um quase amor? Por que fazer uma história, ainda que ela não seja completa?

 

Porque é isso a literatura como eu a entendo. Histórias nunca completas, sempre sendo feitas por seus inúmeros e infindáveis ‘autores’: o escritor, seu leitor e o tempo em que esse encontro se dá, e que também muda, a cada minuto, mudando a história.

 

2 – Assim como “Nada a dizer”, este livro também traz a vida de um (quase) casal de meia-idade que viveu a ditatura e, de certa forma, a liberação sexual. Esse é o contexto que você considera familiar? A preferência por personagens que viveram esses tempos é porque eles são mais próximos a sua experiência?

 

Também próxima da minha experiência é a história do duplo deste casal, o que viveu no pós-guerra e no modernismo dos anos 50. Existiram, e tê-los conhecido teve impactos emocionais e afetivos em mim. Então, não vejo como limitado, o tal ‘contexto familiar’. É tudo que vivi, o que conheci, e isso vai mais do que minha época e geografia. E sim, só escrevo sobre o que conheço.

 

3 – Na história do casal mais velho, há o peso de ter sobrevivido a uma guerra, peso que se reproduz nas relações pessoais. Ao mesmo tempo, a distância é igual ou ainda maior na complicada relação entre a narradora e Roger. Era justamente o amor – nas suas formas mais estranhas de convivência – que você queria contemplar no livro?

 

ão ‘queria contemplar’. Contemplei. E não foi um catálogo de possibilidades amorosas. Mas uma única possibilidade. A possibilidade da impossibilidade amorosa. Ao menos em sua aparência e rituais burgueses, previstos, previsíveis.

 

4 – O ambiente das artes plásticas, vivido pelas histórias de Arno e Roger, é retratado a partir de relações frias, desapaixonadas, movidas mais pela rotina e pela necessidade do que por qualquer coisa. Existe nessa representação uma crítica da situação atual das artes (plásticas ou não) no Brasil e no mundo?

 

Nunca. A crítica é de um determinado vetor modernista. A arte atual é tudo menos fria, desapaixonada e rotineira.

 

5 – Noto, no livro, que o ato de contar a história dos outros e a própria história serve, ao mesmo tempo, para construir e para destruir uma versão dos acontecimentos. É essa sua intenção criando várias camadas de histórias sendo contadas ao mesmo tempo? Qual pode ser para você, pessoalmente e literariamente, a função do ato de narrar?

 

É a tentativa, sempre recomeçada e sempre frustrada, de criar significado. Aliás, falo isso textualmente no incipit do livro.

 

6 – E, dentro das possibilidades da narrativa, qual pode ser o papel da memória? Lembrar, ainda que apenas para si mesmo, é sempre contar uma história?

 

Viver é sempre contar uma história. E quando isso não se mostra possível estamos diante do que escapa à linguagem, estamos diante do trauma, do real lacaniano.

 

7 – É só a partir do narrar que podemos entender a nós mesmos? Ainda que as histórias sejam insatisfatórias, incompletas, elas importam por que podem ter também um caráter, por assim dizer, “didático”?

 

Só a narrativa incessante nos dá a ilusão do entendimento, a nosso respeito e a respeito do mundo. Ainda que a narrativa seja insatisfatória, incompleta. Mas, não, não didático. Nâo hoje. Já foi. O verbo, lembra? no começo era o verbo, e no meio e no fim. A importância. Hoje vivemos em uma época cínica. Não acreditamos mais no que fazemos.

 

 

 

Palestra no Instituto Cervantes de Brasília no ‘Encuentro Literatura en la democracia’, mesa com Marta Sanz, Andrés Barba e Marcos Giralt, com o tema ‘material transgresor, material biografico’; 13/04/2011


Tenho dupla formação – arte e literatura. E me valho sempre de uma quando preciso entender algo de outra.
O uso do material aubiográfico na literatura me parece ser uma das várias estratégias da quebra de representação que vejo nas artes visuais desde meados do século passado. A arte saiu do retângulo, como dizem. A frase não é minha e quer dizer que a arte saiu do espaço artificial que foi o seu por muitos séculos, embora não desde sempre.
(Retângulo é a moldura do quadro, a base da estátua, as quinas da parede, a tela do vídeo, a palavra “romance” na página de rosto de um livro. É o que separa mundo e representação do mundo.)
Com a literatura essa quebra de representação fica menos visível, embora não menos clara. Também em meados do século passado, a literatura sai do seu espaço privilegiado e artificial. Há os estruturalistas franceses, com suas descrição minuciosas de cenários e objetos. Robbe-Grillet, Barthes com seu grau zero. Eles também passam, direto, com pouca ou nenhuma mediação, algo testemunhado por eles. E com o mesmo intuito.
Então, embora o uso da biografia com pouca e nenhuma mediação seja um fenômeno relativamente novo,  o entendo como parte de uma estratégia transgressora que não é nova. Sequer, como falarei no final, de eficácia garantida.
Vou fazer um parêntesis para falar de “representação”, que é um conceito que muda muito. Será um resuminho dos últimos 2.500 anos de civilização ocidental, mas não se preocupem, prometo que será rápido. Aristóteles. A representação como mímeses de um real existente. Esse conceito tem a ver com a noção de verdade, que é algo que constuma mudar ainda mais. Para Aristóteles, a mímesis não só era possível como tinha uma utilidade imediata, produzir uma reação do receptor da arte. Sua mímesis era a mímesis por semelhança. Cópia, e quanto mais próxima da tal verdade, melhor.
Século XXI. Eu disse que eu ia ser rápida. A noção atual de verdade já inclui uma primeira espécie de representação ou pelo menos de equivalência, que é a da linguagem. Ou seja, a verdade atual só pode existir na linguagem, que é um sistema de equivalências.
Entre Aristóteles e Lacan, houve alguns desvios da mímesis. Um exemplo é o barroco, em que se pretendeu, já, uma reação do receptor, não mais visto como passivo ou contemplativo. Ou, no século XX, o Teatro do Antonin Artaud, em que a mímesis se deu com o sinal trocado, era a mímesis da diferença. O que ele pretendia mostrar era o que não se via da verdade, o aspecto oculto da verdade oculta. Outros exemplos, um bem perto de nós, brasileiros, no manifesto neoconcreto, do Ferreira Gullar, em que há a referência explícita, já, a uma fenomenologia da recepção. Citando: a circunstância artística (aí incluída a literatura na figura da poesia) é “um ser que só se dá plenamente na abordagem direta, fenomenológica.” Há também o branco sobre branco do Malevitch, que problematiza o retângulo da moldura ao se mostrar muro, sem figura ou fundo.
Hoje, admitimos: não temos a menor ideia do que seja verdade, muito menos de como representá-la. Nem queremos. Nós fazemos ações no mesmo espaço do vivo. E essas nossas ações criativas supõem uma continuidade, um processo. São, por assim dizer, incompletas. Quem nos lê, ou vê, precisa levar em frente o que propomos, ou não seremos artistas. A mímesis e seu retângulo divisor foram substituídos por eventos que, para serem artísticos, precisam ser fecundos, não se esgotarem em si mesmos. O importante, portanto, é o processo, que não acaba, e não um produto final, aliás frequentemente inexistente. Radicalizamos: não se trata mais de esperar por uma reação do receptor, mas precisar de sua participação criativa.
Então, resumo do resumo: sai o jogo de verdade e mentira, ficção e realidade, e entra o jogo do autêntico e do verossímil. Explicando os dois termos:
Autêntico. O autêntico é aquele indivíduo (escritor ou artista) que faz algo às claras (apresenta o gestual na pintura, ou a metalinguagem na literatura, por exemplo).
Verossímil. O verossímil é a maquiagem ficcionalizante que sempre haverá, ainda que por exclusão, por o que não está lá, e não pela modificação autoral do que está.
E sempre haverá porque não há verossimilhança alguma na vida real. Nada nunca faz o menor sentido para ninguém.
As estratégias para se tolerar o maior grau possível de autenticidade variam. Sempre houve uso de material biográfico. Os limites de tolerância é que estão sendo arrombados, transgredidos, pelo pouco ou nenhum uso de maquiagem e boa educação. O que é novo é o emprego do material biográfico praticamente sem intermediação.
O lado bom e o lado ruim dessa estratégia transgressora que é a nossa, a desta mesa. Primeiro o bom.
Ao usar o material biográfico com pouca ou nenhuma mediação, o escritor conserva um rastro do vivo – ação ou evento. Esse nível baixo de “entendimento” ou “explicação”, essa pouca preocupação com a verossimilhança, abre uma fissura na hegemonia ideológica que inclui, é claro, o próprio escritor em suas condições de produção. A chamada “visão” do ocorrido.
Segundo ponto bom: ao agir assim, o escritor  convida seu parceiro na ação artística, o leitor, a assumir sua parte na história. O que está lá não tem um sentido explícito, não está completo, fechado. Há um convite para seguir adiante, continuar aquela ação.
Há uma terceira vantagem, e esta é pessoal. Sou uma escritora mulher. Vejo nessa atitude da literatura contemporânea uma política de gêneros que me é favorável. O modo anterior de fazer literatura, mediá-la com a “visão de autor”, me parece atrelado a um campo literário (no sentido que Bourdieu deu ao termo) mais masculino, com seus problemas de “tomada de posse” do material, de “impôr uma voz” a acontecimentos. O que é bem diferente do que se propõe na apresentação  de eventos de forma abrangente, não determinística ou sequer sequencial.
Falei em três motivos de por que a base biográfica pouco ou não mediada é interessante do ponto de vista de seu potencial de transgressão. Primeiro por apresentar uma certa proteção contra os sistemas ideológicos hegemônicos. Segundo por provocar a atitude participativa do receptor. E terceiro, por apresentar um ataque ao ambiente ainda machista em que tentamos sobreviver. E me ocorre que essas três coisas sejam uma só.
Agora o ruim.
Primeiro, nossa carreira literária fica seriamente comprometida. Não podemos mais apresentar algo como um estilo, uma identificação imediata de nossos textos. Com a pouca ou nenhuma intermediação autoral, um material biográfico será muito parecido com outro material biográfico. O que muda não é mais a maneira de interferir ou analisar o vivido, que não está mais lá, mas a vida.
Segundo ponto ruim, o Michael Jackson. Mais precisamente, seu funeral midiático.
Voltando ao meu resuminho dos últimos 2.500 anos de civilização ocidental. Houve uma descorporificação das emoções na nossa metade do mundo. Religiões, desespacialização por causa de grandes movimentos migratórios. Descartes. Enfim. O fato é que ninguém mais sente muita coisa, hoje. Mas sente falta de sentir. Então, ao pôr emoções vivas em nossos livros arriscamos vê-los tomados como uma possibilidade de intensificação emotiva. Funciona mais ou menos assim. Eu me emociono na sua frente para ver se, ao ver você se emocionando com minha emoção, eu consigo intensificar a minha emoção. E aí volta tudo. Em vez de chegar cada vez mais longe de Aristóteles, é a mímesis inteira outra vez. Eu mimetizo você e você me mimetiza num pingue-pongue que dura pouco mas agrada muito. Tenho um truque, que ofereço aqui de graça a meus colegas e concorrentes. Ponho, ao mesmo tempo, o evento vivido, real, e meu processo de contá-lo. Uso o material biográfico e a metalinguagem associados. Engraçadíssimo, não é? Para tentar assegurar que a vida não seja ficcionalizada pelo leitor, eu digo a ele como eu a ficcionalizei ao transpô-la, sem ficcionalização, para palavras.
O trecho a seguir não está publicado. Não tem nome, é só um exemplo:
“Me empenho, então, aqui, sentada na Cinelândia, em encontrar em mim uma respiração calma, educada. Uma respiração sincronizada com a daqueles vultos que me fogem, arredios, ridículos com suas roupas antigas, com suas cartas de bridge que caem dos bolsos e das mesas. Que desaparecem, quase, por entre os sons, os cheiros de um bar cada vez mais cheio.
Mas preciso.
Fixo o olhar em um ponto de um espaço “entre”. Um espaço de quebra, de vazio. E aos poucos me entrego outra vez à luz daquela sala de móveis escuros, seus ruídos que – consegui – estão agora menos distantes.
Jogam, eles.
Jogam educadamente. Os reflexos das madeiras e dos copos de cristal se sobrepõem aos poucos, e mais uma vez, aos néons da cidade. Um dos néons, o do relógio digital aqui na minha frente, com sua publicidade acoplada (celulares Oi), no entanto, se mostra particularmente mordaz em sua permanência/impermanência. Pois mudam, seus números verdes, a cada minuto. E continuam, fortíssimos, impávidos, no cenário em que não foram convidados. (Faço um parêntesis rápido: será que é o caso de me preocupar com o que pode ter acontecido a Roger?)
Acabam que pousam, os traços verdes, combinam e se mesclam, definitivamente, no marrom escuro da madeira dos móveis.”

 


Trabalhos acadêmicos:

 

BARROS, Silvia. As relações familiares e o fingimento em O que deu para fazer em matéria de história de amor de Elvira Vigna. In: Revista Litteris, da UFRJ, # 14, setembro/2014, pg 382-392.

 

PIETRANI, Anélia Montechiari. Fazer e dizer a literatura e a mulher. In: Revista Graphos, da UFPB/PPGL, vol. 14, # 2, pg  124-135;

 

HELENA, Lucia. A queda das ações no mercado dos afetos.  Estud. Lit. Bras. Contemp. [online]. 2016, n.48, pp.67-86.