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arquivos internos de ‘textos integrais de ficção’:
coluna ‘morrendo de rir, minha vida de intelectual’
só besteira
sete anos e um dia
‘n’ de nada disso (esse texto, publicado aqui em português, tem copyright em espanhol – ver detalhes em biografia)
Morrendo de rir, minha vida de intelectual foi uma coluna mensal, iniciada em novembro de 2015 na revista pessoa.
Sete anos e um dia é meu primeiro romance para adultos, publicado em 1988.
Só besteira é um texto de humor em blocos curtos, feito especialmente para esse site no início dos anos 2000.
‘N’ de nada disso é uma comedinha em três atos e dois atores, publicada no livro Narrar San Pablo, pela editora do Mackenzie em 2014, mas cujo esquete original data dos anos 1970 e foi publicado pela revista A Pomba.
Aqui, uma crítica do Só besteira:
Prosa Online, jornal O Globo; em 27/04/07; Guilherme Freitas
Os Novos Escritores Brasileiros (N.E.B.) são a entidade mais secreta que existe. reúnem-se periodicamente em uma espelunca de índole duvidosa chamada Repolho Cultural, de onde observam o movimento no Centro Cultural, do outro lado da rua. Observam, mas nunca entram. Também não gostam de ver seus nomes nos jornais.”Ter nome em jornal é falta gravíssima. Significa expulsão imediata. Quiçá la muerte”, alerta no romance “Só besteira” a autora…
Sob pena de colocar sua vida em risco, publicamos aqui seu nome: Elvira Vigna. Não que seja a primeira vez que o nome da Elvira aparece na mídia: autora de outros seis livros, teve os últimos quatro publicados pela Companhia das Letras, entre eles Deixei ele lá e vim, lançado ano passado. Mas este Só besteira não pode ser encontrado nas livrarias. Foi escrito “especialmente para a internet”, segunda a autora, e está disponível apenas em seu site: elvira.vigna.com.br (na seção “Fora de catálogo”)
O título adianta as duas características principais de Só besteira: desprentensioso e auto-irônico, o romance é antes de tudo um divertido exercício de provocação literária. O fiapo de trama acompanha a rotina de uma narradora neurótica que divide seu tempo entre a composição de um romance em eterna mutação e as sessões de duas entidades muito semelhantes a grupos de auto-ajuda: Os N.E.B., onde os escritores partilham as angústias da vidinha literária, e o Vivenda e Aprendenda, caótica organização de mulheres mal-amadas que se reúnem para falar mal do mundo, dos homens e das outras.
Os relatos das reuniões dos dois grupos dão a Elvira a chance de atacar em duas frentes. Com o Vivenda e Aprendenda ridiculariza clichês da literatura “feminina” (a lista dos cursos oferecidos pelo grupo inclui Sistema de Visão para Dimensionamento da Coisa Preta em Tempo Real; Câmera Hiperbárica, Recorde em Produndidade e Depressões: Tiro Tudo Daquele Puto etc.). Com os N.E.B. ela caçoa da vida literária contemporânea: “Apesar de todos os cuidados, não é difícil reconhecer um N.E.B. Em geral carregamos nossa obra embaixo do braço e somos muito sentimentais. Damos estes livros para qualquer um que nos trate com o mínimo de simpatia. O guarda de trânsito que faz ponto em frente ao Repolho, por exemplo, já tem uma estante cheia.” E não sobra só para escritores. “Hoje guarda-trânsito, amanhã editor, nunca se sabe.”
A crítica também ganha seu quinhão de farpas. A narradora, que se define como “homem de letras”, guarda em um arquivo de computador uma coleção de frases feitas, jargões e clichês literários para usar em caso de emergência, como quando elogia o próprio texto pelo “pleno aproveitamento da intertextualidade com desvio semântico dos sintagmas.”
Só besteira é cheio desses comentários metanarrativos: personagens enaltecem o romance por sua “estrutura moderna” e pela forma como a autora “deixa aparente todo o processo de gênesis”. É como se Elvira tentasse embutir no texto sua própria defesa deixando-o imune a crítica, ironizando de antemão qualquer tentativa de análise mais profunda. Mas às vezes esses comentários são reveladores, e que parece tentar justificar a fragmentação da narrativa: “O problema é que eu acho chato. A falta de transcendentalidade da expressão burguesa, mais um casinho, uma traminha, será sempre mais uma historinha.”
A falta de apreço por “traminhas”e “historinhas” gera um romance que vai sendo escrito praticamente diante do leitor, enquanto a narradora se desdobra para incluir no enredo elementos como um anão extemamente sexualizado e um coronel com tendências assassinas, em tentativas cada vez mais desesperadas de dar rumo à história. Mas também esses esforços são desmoralizados: “Enfim, crime, sacanagem, crítica política: as coisas melhoraram muito por aqui.”
Quase no fim do romance, porém, num rompante de simplicidade, Elvira deixa de lado toda a parafernália literária pós-tudo para arriscar uma definição singela de literatura: “Então é isso, espero que vocês tenham gostado. Escrevi esses textos não sei por quê. (…) Não entendo quase nada do mundo. Por isso escrevo. Quem sabe lendo depois, entendo.” Mas uma observação tão sincera e desarmada não escaparia da consciência vigilante da narradora, que logo manifesta uma visão amarga, ainda que cômica, do futuro dos escritores: “Pois é esta nossa meta, minicontos, microtextos, pílulas poéticas, palavras-ícones, e por fim design das letras do alfabeto. Não todas, apenas as mais comuns, para não cansar.”
A orelha da edição original de Sete anos e um dia:
Sete anos e um dia – apresentação; Aloísio Branco; setembro de 1987
Elvira Vigna, já conhecida por seus livros não convencionais destinados ao público infantil, estréia, aqui, com total segurança no romance. O estilo ágil, que foge à rigidez gramatical ou à lógica insossa, revela-se cheio de inventiva, presenteando-nos com surpresa sobre surpresa. O rumo inesperado da narrativa ou de certas frases alternadamente nos coloca dentro deste ou daquele personagem, sem reservas. A linguagem é repassada de informalismo e de um coloquial que no entanto jamais incidem em qualquer lugar-comum.
Ficção legítima, Sete anos e um dia expressa ao mesmo tempo um pedaço vivo arrancado do Brasil real, um Brasil que experimenta mudanças sociais e políticas através de processo quase sempre doloroso. O personagem Caloca, com rasgos de otimismo ingênuo, pronto a exercer o escapismo por meio da mais espontânea fantasia, é bem o retrato do brasileiro típico ou mediano. Essa face do Brasil verdadeiro, de dias recentes, é vista pela ótica de um pequeno grupo de pessoas; vítimas de algum modo do esquema represssivo e com as quais os leitores certamente se identificarão. Não menos expressivo é Pedro, propenso mais do que ninguém a conceituar e verbalizar, intelectual preso a formalismos, máscaras de sua verdadeira identidade; e Tânia, figura um tanto enigmática, com a biografia marcada por um trauma irremediável; e sobretudo Catarina, mulher moderna, liberal e liberada, voluntariosa e decidida, mesmo quando envolvida pela emoção mais arrebatada. Convivendo na mesma casa-símbolo, são todos eles seres de carne e osso – cabeça, estômago, sexo – captados em sua mais recôndita intimidade, com seus sonhos e pequenas misérias cotidianas, momento a momento seres carentes, cheios de expectativas, vivenciando anos de espera, às vezes de maneira intensa, às vezes inconscientemente.
Este livro de Elvira Vigna apresenta ainda um desfecho inesperado, embora de absoluta coerência com o desenvolvimento da história. Um desfecho pungente, comprometido com o que há de mais lidimo e inquietante na verdade humana: a solidão e a busca do outro.