O jogo dos limites – oficina

ELVIRA VIGNA: INFANTIS – O jogo dos limites (Companhia das Letras, 2001, 128p.)
– menção ‘Altamente Recomendável’, da FNLIJ;
– participação no programa de compra de livros da prefeitura de Belo Horizonte.

 

arquivos internos de ‘infantis’:
a breve história de asdrúbal, o terrivel
a verdadeira história de asdrúbal, o terrível
asdrúbal no museu
o triste fim de asdrúbal, o terrível
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a pontinha menorzinha do enfeitinho do fim do cabo de uma colherzinha de café
uma história pelo meio
problemas com o cachorro?
lã de umbigo
mônica & macarra
o jogo dos limites – trecho
vitória valentina (graphic novel)

críticas

 

 

 

 

 

 

em catálogo

infalimites

oficina escolar:

Os jogos de RPG/computador mostram aventuras excitantes onde coisas fantásticas acontecem. “O jogo dos limites” mostra que a realidade do dia-a-dia pode ser tanto ou mais apaixonante, com seus tipos diferentes de pessoas. Entre os grupos diferentes de pessoas que o livro apresenta, um foco maior é dado à diferença de classe social. Como meninos de classe média podem se relacionar com os mais pobres. Vice-versa.
O livro mostra isso imitando o linguajar e a estrutura de um jogo de RPG ou de computador. Ou seja, os grupos de personagens diferentes (os meninos heróis da história, os viciados em computador, os pitboys, os pobres – que são chamados de “invencíveis” etc.) agem como se estivessem em um jogo onde devessem atuar papéis pré-estabelecidos.
Assim, as atividades sugeridas para leitura em grupo também são atividades de representação.

Aqui estão quatro sugestões de atividades para grupos de 30 a 40 adolescentes.
A primeira é um exercício de mímica, bem-humorado e simples.
A segunda é a criação de cenas independentes, integrando várias reflexões diferentes: sobre a linguagem (no desenvolvimento dos diálogos), sobre a moda e o capitalismo (no desenvolvimento dos figurinos), sobre as classes sociais (no desenvolvimento dos cenários), sobre a violência e sobre vários outros assuntos levantados no texto do livro.
A terceira é uma montagem completa, que provavelmente vai requerer um semestre inteiro de preparação.
A última atividade é de fechamento, uma discussão em grupo sobre os temas levantados pelo livro e que apontam para o que os jovens representam e como eles se representam na sua vida cotidiana.

Estas quatro atividades podem ser desenvolvidas separadamente ou de forma seqüencial: começa-se pela brincadeira de mímica, como um “aquecimento” dos dotes artísticos dos adolescentes. Depois, num segundo estágio, passa-se à criação das cenas independentes (uma ou mais de uma) ou, se houver tempo suficiente para um projeto maior, faz-se a montagem de uma peça completa. E, por fim, como fechamento do projeto, uma discussão sobre como cada um vê os temas tratados.

I – Esquetes de mímica

O monitor prepara antes dez fichas de papel duro com esqueminhas para dez esquetes de mímica.
Estes esqueminhas (sugestões abaixo) devem sempre apresentar uma situação básica, de conflito, mas não dar a solução para a situação apresentada. A solução, o “o que fazer nesta situação”, é coisa que deverá ser inventada pelos jovens.
Na hora da atividade, os adolescentes são divididos em grupos de três. Caso haja mais de 30 jovens o monitor pode estabelecer grupos de quatro, sendo que três deles serão os “atores” e um será eleito “diretor de cena”. Não é aconselhável haver mais de dez grupinhos para que a atividade não se torne muito longa.
Cada grupinho ganha uma das dez fichas e vai para um canto, isolado dos demais, para ensaiar sua representação. Acabados os “ensaios”, todos se reúnem outra vez para as representações. Cada grupo se levanta para fazer a sua, os outros devem descobrir qual é o enredo.
As representações não devem exceder cinco minutos cada uma; os “atores” não podem falar, só fazer gestos, mas é permitida a montagem de “cenários” simples e improvisados.
A idéia é ser uma atividade engraçada, de relaxamento.

Sugestão para os esqueminhas:

Grupo Um
A faz uma comida especial.
B e C comem sem prestar atenção

Grupo Dois
A
e B estão fazendo jogging. Estão exaustos, caindo aos pedaços.
Passa C também correndo, mas todo alegre, em excelente forma física.

Grupo Três
A
e B estão namorando.
B sai. A começa a namorar C.
B volta de repente.

Grupo Quatro
A
e B tentam vender algo a C que está indeciso.
A e B começam a brigar.

Grupo Cinco
A
dá um encontrão em B.
Eles deixam cair no chão seus pacotes.
Apanham tudo.
Chega C que dá um encontrão nos dois e cai tudo outra vez.

Grupo Seis
A
e B andam juntos.
Encontram C, um caso antigo de A.

Grupo Sete
A
e B estão sentados em um ônibus.
C, que está em pé, vai se jogando para cima de A.
A
, para evitar isso, vai se jogando para cima de B.

Grupo Oito
A
e B estão brigando.
C resolve tomar partido de A.

Grupo Nove
A
está dando em cima de B.
B esnoba A.
C também começa a dar em cima de B.
B também esnoba C.

Grupo Dez
A
está posando para B que pinta seu retrato.
C chega e começa a criticar a pintura.
A resolve ir ver a pintura.

II – Desenvolvimento de cenas independentes

Aqui não se monta uma representação completa, mas apenas cenas independentes.
Começa com cada jovem escolhendo em que grupo de personagens deseja atuar. Um exercício interessante é trocar. Depois de as escolhas feitas, fazer com que um Turminha Legal exercite sua porção P.A.I.S. Ou que um dos E.L.E.S. mude sua roupa chique pela camiseta furada de um faxineiro do grupo Invencíveis.
Depois de os grupos serem formados, eles vão pensar em conjunto como será seu figurino, a partir das indicações que constam no livro. Discutir as diferenças de vestir entre os grupos, a questão da moda.
Os diálogos: todos os diálogos devem ser desenvolvidos pelos próprios participantes, um exercício literário mas também de vida: como nos relacionamos uns com os outros?, os diálogos estão agressivos?, bobos?, afetivos ou – ao contrário – muito distantes e frios? O desenvolvimento dos diálogos traz uma reflexão sobre vocabulário e gramática. Os Barbudinhos, por exemplo, com seu jargão tecnológico, usam palavras inglesas aportuguesadas (deletar, clicar etc.). Os Perdidos usam palavras antigas e gírias fora de moda. Os Invencíveis podem dizer algo que os E.L.E.S. consideram gramaticalmente errado, mas o que é o erro?, quem faz as regras?, quanto tempo uma regra é considerada regra e quanto tempo um erro é repetido até que vire uma nova regra?
Os cenários: a montagem dos cenários deve ser sempre muito simples, eles devem ser desenvolvidos a partir dos recursos disponíveis, o que já levanta a discussão sobre abundância ou carência de recursos. Talvez seja possível fazer uma árvore de papel crepom, mas de compensado não. Outro ponto interessante é o da criatividade, que tipo de copinho de papel pode ser “batizado” de Filhote de Passarinho?

A seguir, algumas das situações do livro que podem servir de base para o desenvolvimento de cenas independentes:
1) A chegada da Ajuda De Fora
O grupo N.Ó.S. está na biblioteca. Eles ouvem barulho, acham que pode ser algum Perdido mas na verdade é a Ajuda que está chegando. Esta situação traz o conflito feminismo x machismo, já que a expectativa dos meninos é que venha um super-guerreiro bem armado, como os dos jogos de computador, e quem chega é uma personagem feminina, gordinha e nem um pouco impressionante. Outro conflito desta situação é o da expectativa x frustração, fantasia x realidade. Mas também o da confiança em si próprio x desânimo.
2) O encontro com a Turminha Legal
O grupo N.Ó.S. dá de cara com a Turminha Legal. Aqui, o conflito é como enfrentar a violência sem se tornar violento. Cabe também aprofundar a ligação entre violência e falta de recursos intelectuais. O vocabulário da Turminha Legal, de poucas palavras, todas de gíria, está apresentado no livro. Uma coisa que pode ser falada a partir desta situação básica é que a violência aparece quase sempre quando não há argumentos lógicos ou possibilidade de fala para enfrentar um conflito
3) Cai o sistema dos computadores dos Barbudinhos
Os Barbudinhos ficam frente a frente com computadores quebrados. O conflito é o da dependência em uma tecnologia e o que isso pode acarretar em perda de habilidades anteriores a esta tecnologia. Assim, sem computador, os Barbudinhos não conseguem mais nem falar entre si. Ficam murmurando coisas desconexas enquanto olham fixo para a tela do computador. É uma situação de humor.
4) Ninguém sabe o que a Deusa-Mor vai fazer
Qual o papel da religião em nossas vidas. Como decidir quando aguardar que o destino mude nossas vidas e quando tentar mudar nós mesmos. Os encontros entre os personagens do livro e a Deusa-Mor são sempre misteriosos e não-conclusivos. Mas da sala da Deusa-Mor há janelas por onde se vêem coisas do Castelo que não são vistas de nenhum outro lugar. É em uma dessas janelas da Deusa-Mor que Ajuda vai descobrir o que deve fazer para ajudar os meninos a sair do desânimo em que se encontram. Aqui, o conflito é o do lugar dos mitos na explicação do mundo. O que é mito, o que é mito-em-mutação (ou não-mito). A Deusa-Mor fala sozinha ou com um de seus Espelhos o tempo todo. Ela dá ordens sem parar. Mas dialoga com Ajuda, que vai visitá-la.
5) O encontro da Ajuda com seu passado
Ajuda, tentando ajudar os meninos que precisam estudar para a Prova de Física 2, vai se encontrar com a menininha que ela já foi, e que costumava brincar de estátua no pátio. Aqui o conflito é o de rearrumar, dentro de cada um de nós, as coisas que já fizemos, as boas e as que hoje faríamos diferente. Cada personagem, caso esta situação seja a escolhida para o desenvolvimento de uma cena independente, deve buscar um episódio de seu passado pessoal, ou do passado histórico de sua cidade, e “conversar” com este passado, mudando-o ou não. Nesta busca de Ajuda ao seu passado, ela tropeça com vários Perdidos, os personagens que se fixaram em algum ponto do passado pessoal deles. Os Perdidos são os que não “conversam” com o passado, vivem nele. No livro há dois encontro de Ajuda com seu passado: com a menininha que brincava de estátua, e com a mocinha que conseguiu impressionar um namorado graças a um golpe de sorte.
6) As situações de jogos de computador
O livro traz várias situações típicas de um jogo de computador, com sua fantasia desvairada, suas armas, seus Portais De Outra Dimensão. O conflito dessas situações é sempre o do limite necessário a uma fantasia que se pretende ilimitada: quanto mais se inventa mais fica sempre a mesma coisa: armas mortíferas, poderes mágicos, outros mundos, e mais armas mortíferas, mais poderes mágicos, mais coisas acontecendo…..e mais e mais os personagens ficando sem fazer absolutamente nada, sentados o dia todo, jogados pelos cantos, e desanimados com o mundo real.
7) O filhote de passarinho
Esta situação se passa no pátio, perto da Árvore Sem Fim, de onde cai um filhote de passarinho. O filhote é perseguido por todos e acaba caindo dentro da privada do quartinho do Faxineiro. O conflito básico desta situação é em relação aos estereótipos, aos conceitos pré-concebidos. O estereótipo desta situação é o de que faxineiros – ou pobres – são sujos. O banheiro de Faxineiro é limpíssimo, e David salva o passarinho. Os diálogos, aqui, podem mostrar a dificuldade que temos em mudar pensamentos que já estão prontos dentro da nossa cabeça. E, particularmente, em mudar a maneira como lidamos com classes sociais diferentes da nossa. Depois desta situação do passarinho, Faxineiro aprende a conhecer mais, e a gostar, dos meninos de classe média. E David vai mostrar aos seus amigos que Faxineiro é uma pessoa importante e que tem algo a ensinar.
8) A entrada da vida real na encenação
Depois de algum tempo sem comer, começamos a ficar com fome. Depois de muito tempo parados, ficamos com vontade de nos mexer. Quando temos alguma coisa para fazer não tem jeito, temos de começar a fazer. Aqui, os participantes escolhem como preferem terminar a ficção teatral e voltar à realidade do momento presente que eles estão vivendo. Os jovens podem incluir a situação metereológica na sua ficção (“está começando a chover, gente, vamos embora.”), ou uma premência real (“amanhã tem prova, ciau para vocês.”). No livro, é Ajuda que pede licença e vai embora: está ficando tarde e ela precisa ir embora cuidar do jantar.

III – Montagem de uma peça

Resumo da dramatização sugerida:
Garotos estão em uma biblioteca precisando estudar para uma prova mas na verdade jogando RPG ou discutindo jogos de computador, que todos conhecem. Depois de algumas peripécias, um faxineiro os ensina que as dificuldades são vencidas pouco a pouco, com o trabalho de todos os dias.

Os personagens são divididos nos seguintes grupos:
1 – Grupo dos meninos
“Fábio” – gordinho e muito esperto. Ao contrário dos outros, não é um menino rico;
“Henrique” – muito vaidoso, só pensa em meninas;
“Jonathas” – é récem-chegado no grupo, não acompanha bem as brincadeiras, não entende muito as coisas;
“Felipe” – tem o apelido de Colosso de Rhodes, é o menorzinho, mais baixo e mais fraquinho mas é o que quer sempre enfrentar todos os perigos;
“David” – tem o apelido de marciano, é um viciado em RPG, muito distraído, vive com walkman no ouvido, mas é o verdadeiro líder do grupo e quem vai ‘costurar’ a ação.
2 – Grupo dos pitboys
Fazem tudo igual, são meio burros e muito violentos. O líder deles tem um cachorro que também anda com walkman no ouvido.
3 – Grupo das meninas
São todas parecidas entre si, andam sempre por perto dos pitboys, balançando seus cabelos louros longos.
4 – Ajuda Que Vem De Fora
Uma mulher de meia-idade, bem comum, é o único ator adulto da dramatização.
5 – Deusa-mor
Fala sempre de frente a um espelho – o espelho é outro ator. Sua caracterização muda a cada minuto, assim como seu “espelho”. A personagem é meio bruxa, mágica.
6 – O faxineiro
Apagado, tímido, mas vai se revelar a principal figura da trama.
7 – O coro dos Pais
Um coro que prevê o futuro.
8 – Entregador de pizza
Participação rápida na ação.

Roteiro para a dramatização:
(As falas estão só esboçadas, aqui, e devem ser desenvolvidas pelos próprios atores, a partir deste roteiro e com a ajuda do livro.)

Primeiro Ato
Ambiente: Salão antigo, caindo aos pedaços, clima meio fantasmagórico. Mesa grande com cadeiras, muitas estantes de livros. Quando a ação começa há claridade de dia.
Deusa-Mor, Espelho e Faxineiro estão na sala.
Deusa-mor está falando para Espelho que de nada valeram os esforços dela até então, para que o colégio virasse um avião e saisse por aí, voando, com todo mundo dentro, porque os meninos não aprenderam nada, nadinha.
“Eles não entendem nada, Espelho!”
Espelho, personagem mudo, faz sinal que não, que não é bem assim.
Ao lado deles, Faxineiro escuta música nordestina baixinho, em um rádio, enquanto passa uma vassoura, levantando muita poeira.
Som de passos. Entra o Grupo dos Meninos.
Eles esbarram em Faxineiro sem nem notar a presença dele. Vão Henrique, Jonathas e Felipe na frente, depois segue o gordinho Fábio, bufando. Por último, errando aqui e ali o caminho, vai David, com o walkman, sempre distraído. Ele carrega um livro grosso. Os três primeiros estão falando sobre jogos. Eles discutem qual arma fantástica é melhor para qual ação, quem perde ponto, quem ganha atributos etc. Faxineiro varre com mais força, levantando uma nuvem de poeira que encobre Deusa-Mor e Espelho – que aproveitam para sair sem terem sido notados.
Os meninos sentam em uma mesa. Continuam falando de jogos. Mas Fábio interrompe:
“Vamos pedir uma pizza?, já deve ser pra mais de meio-dia.”
“Ai, pizza, de novo!”
Os meninos ficam jogados nas cadeiras, no maior desânimo. Entra um coro dos Pais, eles cantam voltados para a platéia, mas ao mesmo tempo Faxineiro aumenta o som da música nordestina. O coro canta:
“Eles vão ser reprovados, vão ser reprovados”.
Um dos atores do coro dá um falsete:
“E ficarão pobres, pobres! Pro resto da vida!”
Os meninos não escutam, excetuando David, que tira o walkman, bate nele como se estivesse quebrado e repete:
“Pobre?!”
Os atores do coro saem e empurram Faxineiro e seu rádio para fora junto com eles. Os meninos ficam jogados nas cadeiras.
Eles falam que não vão conseguir. Nada. Nem fazer a prova, nem arranjar namorada, nem vencer a próxima ação do joguinho de computador. Eles vão falando, listando as coisas que não vão conseguir.
“Não vou conseguir aumento de mesada.”
“Não vou conseguir passar.”
“Não vou conseguir aprender a dirigir.”
“Não vou conseguir atributo 8 em força mortal.”
“Não vou conseguir passar.”
“Não vou conseguir transar com a Patricinha.”
A lista é bem grande. No fim, eles dizem em coro:
“Só se pintar aí alguma coisa, um help.”
Um barulhão, trovões, miados de gato, gargalhadas lúgubres, e entra Ajuda. Os meninos olham para ela e caem em profunda depressão.
“Uai, hein, gente, também não sou essa meleca toda, pô.”
Um dos meninos diz:
“Ai, meu deus, agora, só delirando mesmo.”
Eles descrevem várias ações de joguinhos onde o inimigo se chama sempre Física 2, Prova Final. Não vencem em nenhuma delas.
Durante essas ações, entram e saem de cena, como se em câmera lenta: o grupo dos professores, o grupo das meninas, os pitboys, Deusa-Mor e Espelho. Tudo se passa na fantasia dos garotos mas é uma oportunidade de apresentar os outros personagens. O último a entrar é Faxineiro que recomeça a varrer e a levantar a poeira. Os meninos tossem, engasgados. Bate o sinal do intervalo. Todos saem.

Intervalo para mudança de cenário.

Segundo Ato
Pátio. Uma árvore. Bancos. Uma porta que dá para um quartinho escuro. Está todo mundo no pátio. Ninguém tem nada para fazer.
Cai um passarinho da árvore. Uma das meninas pega.
Henrique ajeita o cabelo e sorri para a menina:
“Graça de passarinho, hein princesa?”
A menina nem olha para ele. Henrique tenta se aproximar de outra, que é exatamente igual à primeira e que também não liga para ele e assim com todas elas, de uma em uma, sem nenhum sucesso. Enquanto isso, os Pitboys estão se estapeando, meio de brincadeira e meio a sério, falando palavrão e se empurrando. Eles também estão vestidos iguais, de bermuda larga e sem camisa. Eles empurram e puxam os cabelos das meninas que respondem à altura, inclusive com joelhadas. A confusão se instala.
Jonathas acha que se machucou e pergunta justo para um um Pitboy se tem alguma mancha de sangue na sua camisa. O Pitboy dá um empurrão nele.
Na confusão o passarinho cai no chão. Um Pitboy ameaça pisá-lo com seu tênis enorme. Uma menina dá-lhe um golpe de karatê. O Grupo dos meninos está apanhando dos dois lados, das meninas e dos pitboys, os professores saem de fininho na ponta dos pés. Faxineiro fica parado, olhando. Ele voltou a escutar a música nordestina no rádio. Ajuda tenta falar:
“Eu, um dia, imagine vocês..”.
Ninguém presta atenção.
Deusa-Mor fala com Espelho:
“Bom, isso, hein? Animado…”
Felipe diz para seus companheiros para deixar com ele que ele resolve e faz posição de luta só para ser imediatamente nocauteado. Jonathas pergunta o que está acontecendo. Fábio consegue se livrar se arrastando por baixo dos outros. David fica alheio, apenas se desviando dos golpes e das coisas que são jogadas. Henrique consegue que uma menina olhe para ele e quando isso acontece, ele desmaia.
Faxineiro diz, olhando para a platéia:
“Falta do que fazer, se tivessem de ganhar a vida…”
Um dos pitboys o empurra:
“Sai, paraíba!”
Faxineiro se irrita e dá uma rasteira no pitboy. O pitboy revida. Agora a briga é a sério. Faxineiro é machucado. Uma menina fala:
“Pára! Pára!”
Faxineiro machucou a testa. A menina se aproxima, examina o ferimento e diz:
“Vou passar um desinfetante.”
E mexe na mochila procurando alguma coisa.
Enquanto isso o passarinho está entrando (puxado por uma cordinha oculta, é claro) num local que na verdade é um banheiro.
A menina tira um spray da mochila e o dispara nos olhos de Faxineiro. Ele dá um berro e as meninas e os pitboys caem na gargalhada e caçoam dele.
Mas agora todos escutam os pios do passarinho que vêm do quartinho.
Meninas e Pitboys correm para a porta entreaberta.
“Ih! é o banheiro do paraíba!”
Barulho de água. É o passarinho que caiu dentro do vaso sanitário.
“Ih! ele caiu dentro do vaso!”
“Vai se afogar!”
O Grupo dos meninos tenta chegar perto. E atrás vai Faxineiro, esfregando os olhos.
David diz que vai tirar o passarinho de lá, os outros dizem, “ih, que nojo!”
David aparece com o passarinho na mão. Faxineiro acende a luz do quartinho.
“O banheiro está limpíssimo!”, alguém comenta.
“Está limpo porque eu limpei”, responde Faxineiro.
Jonathas se olha no espelho tentando descobrir manchas de sangue imaginárias. Deusa-Mor se olha no espelho e olha para Espelho, alternadamente, mas acaba preferindo Espelho e diz:
“Eu hein, você trabalha muito melhor do que aquele lá.”
Faxineiro pega o passarinho com uma toalha enquanto David lava as mãos, depois dá o passarinho para ele.
“Enxuga aí o bichinho, depois você me devolve a toalha.”
Todos os outros se afastam para David sair levando o passarinho. Saem atrás. David pára e se volta brusco. A menina do spray está logo atrás dele. David diz:
“Você é uma idiota, está ouvindo?”
Henrique tenta contemporizar:
“Não é bem assim..”
E no ouvido do David:
“Pode até ser, mas é gostosinha, cara!”
A menina não diz nada. Todos saem.

Intervalo para mudança de cenário. Volta o cenário inicial.

Terceiro Ato
Deusa-Mor, Espelho e Professores estão na sala se empanturrando de café com bolinho e conversando.
Eles estão falando sobre a prova de Física 2 e mostram um papel que está em cima da mesa, com uma fórmula indecifrável. Caem na gargalhada. Um deles diz:
“É só eles estudarem a página 12 que acertam.”
Alguns imitam o coro dos Pais:
“Eles vão ser reprovados, vão ser reprovados”.
Um deles dá o falsete:
“E ficarão pobres, pobres!, pro resto da vida!”
E aí todos eles ficam mudos. Caem em depressão, alguns choram:
“Como nós! buáaááá… E nós não fomos reprovados! Buááá!”
Deusa-Mor interrompe:
“Parem com isso que eu não estou conseguindo ouvir Espelho com essa barulheira de vocês!”
Eles vão se acalmando. Retomam a conversa. Citam a história do “colégio” (que é a história do Brasil), fazem fofoca. Aproveitam uma hora que Deusa-Mor está entretida com Espelho para fofocar sobre o caso que teria rolado entre ela e um dos professores. Ele nega.
Nesta hora entram os meninos com o passarinho na mão.
Um dos professores está dizendo que de qualquer maneira o fim do mundo está próximo. Os meninos se entreolham e caem no chão de desânimo. Só David que não. Ele espicha um olho e vê a fórmula no papel da mesa. Vira-se para Ajuda:
“Você sabe o que é isso?”
“Não tenho a menor idéia. Mas, olha, pelo jeitão, não há arma a laser que resolva. Acho que só resta o último recurso, estudar.”
Os outros meninos, caídos no chão, escutam e berram, juntos:
“Não!!!”
E Henrique acrescenta: “simpática aquela menina, vocês não acharam?”
Os outros mandam ele calar a boca.
Felipe, antes de desmaiar outra vez, diz:
“Eu dou um jeito, eu dou um jeito.”
Deusa-mor está lixando as unhas de Espelho. O passarinho recomeça a piar. Fábio levanta a cabeça e avisa que é melhor esse troço terminar logo porque ele está com fome. Henrique suspira enquanto sonha: ‘simpática, tão simpática…’
Ajuda conta sua história:
Quando ela era mocinha, ela namorava um cara.
Ela conta a história. Enquanto ela fala vão entrando as meninas e os pitboys.
“Eu devia ter uns 16 anos e naquela época 16 anos, ou pelo menos os meus 16 anos, eram assim tipo sei lá uns 11 de agora, nem sei comparar. Estou querendo dizer que eu era mesmo muito boba. Completamente boba. Famosamente boba.
Eu estava na casa desse meu namorado que era o primeiro namorado que eu tinha. Eu nunca tinha nem flertado com nenhum menino antes. E esse menino era um pouco mais velho do que eu e não é nem isso. Ele era muito mais esperto, mais vivido. Não estávamos sozinhos, era uma reunião. Ele costumava dar reuniões para seus amigos e tinha muitos amigos.
Eu não tinha.”
A história continua, vinda de um gravador escondido, enquanto Ajuda fica parada, lembrando.
“Estávamos lá e minha roupa era uma blusa estampada de verde e branco que minha mãe tinha costurado para mim e não me lembro se estava de calça comprida ou saia mas fosse lá o que fosse eu tenho certeza de que era alguma coisa completamente fora de moda porque eu estava sempre completamente fora de moda. As pessoas, amigas desse meu namorado, algumas já trabalhavam e tinham aquela confiança de quem já tem um trabalho. E era trabalho assim bossudo, nada de ser caixa em banco ou algo assim sem charme, não. Eram estagiários em escritórios de arquitetura, redatores em revistas completamente desconhecidas mas sempre muito interessantes, essas coisas. Eu não tinha muito o que falar e ficava a maior parte do tempo calada.
Todo mundo, meu namorado inclusive, tinha certeza de que além de feinha eu era burra e bem, em termos de sex appeal, não dava nem para competir com ninguém ali: um zero à esquerda.
E aí alguém começou a falar de um livro de poesias orientais que estava na moda naquele momento e eu já com o pescoço duro de não me mexer, resolvi assentir com a cabeça.
Hã, hã.
As pessoas pararam, entre irônicas e admiradas.
Não vai me dizer que você conhece esse livro?, disseram eles.
Eu já estava perdida mesmo, perdida e meia. Então disse:
Conheço sim.
Ahhhh.
Risinhos incrédulos passaram pela sala.
A casa desse meu namorado era, assim como ele, também muito bossuda. Tinha uma parede estofada com um trabalho de panos formando figuras. Móveis antigos, objetos de arte e em um armário que de tão velho já não tinha porta, os livros. O armário era jacarandá maciço e o móvel, dizia meu namorado, um colonial legítimo. E dentro os livros.
Eu tenho essa sorte. Eu sempre me dei bem com o Grupo-Livros.
Eles estavam falando de uma das poesias em particular, do tal do livro que estava na moda. Tinham recitado de cor a poesia e eu, louca, suicida, continuava dizendo que sim, claro, conhecia bem a poesia, e que inclusive…
Não sei o que me deu. Eu nunca tinha ouvido falar daquele livro antes, muito menos da poesia.
Acho que foi um pouco essa coisa de já que você está acabada, tanto faz.
Então falei. A voz bem alta, como se eu estivesse cheia de confiança:
Conheço bem. É das minhas preferidas. Está na página 12.
Uma das amigas do meu namorado então se levantou, linda, mexeu com os cabelos também lindos e foi até a estante sem conseguir disfarçar o riso. Pegou o livro e ainda olhou para mim uma última vez e eu pensei. Que se dane, todo mundo morre um dia.
E ela abriu o livro na página 12 e eu logo vi que havia alguma coisa de errado porque ela fixou o olho na página e mordendo o lábio superior não encontrou mais nada para dizer do que isso: que na edição que ela tinha em casa a poesia em questão estava em outra página.
Eu tinha falado 12 como poderia ter falado oito ou 183 e ela sabia disso. Só não podia provar.
Ela voltou para o lugar quase chorando de ódio. Ela já tinha namorado meu namorado antes de mim.
Logo depois disso eu e meu namorado acabamos o namoro”.
Ajuda volta a falar, rindo:
“E eu acho, gente, que terminar esse namoro foi meu segundo lance de sorte.”
Deusa-mor diz:
“É, às vezes dá certo. Sorte também existe, não é só azar…”
Os meninos não levam a menor fé na solução de acreditar na sorte, proposta pela deusa-mor. Dizem que preferem tentar mais ações fantasiosas dos joguinhos de computador. Os professores cochicham:
“Taí. A gente nunca tentou jogar no computador para ver se o salário melhora. Quem sabe?!”
“Não vai dar certo, aposto.”
Os professores também vão desabando pelo chão, de desânimo.
Batem na porta.
“Quem será?!”
Entra o entregador de pizza.
“Calabresa.”
Todos se entreolham.
“São vinte e uma pratas e vinte e cinco centavos com o refrigerante e o brinde.”
Silêncio.O entregador repete:
“Como é que é, gente?!”
Todos começam a catar dinheiro nos bolsos, uma moedinha é achada aqui, uma nota de um real ali. Vão juntando tudo em cima da mesa. Alguém acrescenta um chiclete:
“Está quase novo, deve valer aí alguma coisa!”
O entregador de pizza conta:
“É ruim, hein!”
Quem está mais perto dele é Ajuda. Entregador mete a mão na bolsa de Ajuda. Tira três notas.
“Mais três pratas”, diz Entregador, sacudindo no ar as notas, para que ninguém duvide da sua honestidade. E acrescenta:
“Mas logo a senhora, com a aparência tão fina, só com três merrecas na bolsa?!”
“Saí desprevenida, pensando que ia voltar logo…”
“Tem só vinte e um reais e vinte centavos.”
Um professor diz que ele não tem razão de ficar zangado.
“O fim do mundo está próximo.”
“Ninguém aqui vai passar na prova.”
“A gente também ganha mal paca.”
“E eu acho que vai chover.”
“E eu não vou conseguir aumento de mesada.”
Todos repetem a lista de coisas que não vão conseguir.
Entregador cata uma moedinha no chão:
“Dez centavos… ou seja… a gorjeta é cinco centavos!”
Ele também desaba no chão, junto com os meninos.
“Aiii….”
Entra Faxineiro, sua vassoura e seu rádio.
Ele começa a varrer, mas desta vez não tem poeira.
Alguém diz:
“Uai, não vai levantar aquele poerão outra vez?!”
“Não, né, trabalhar resolve, viu, é chato, mas resolve, agora a varrida é só para complementar. O grosso da sujeira já foi.”
Ele varre e todos vão se levantando um por um devagar. Vão se sentando na mesa, catando livro nas estantes. David diz:
“Bem, gente, sugiro a gente começar pela página 12.”
Eles estudam um tempo, ao som da música nordestina (moderna, eletrônica).
Depois alguém diz:
“Vocês não vão acreditar, mas eu acho que já sei.”
“Eu também.”
Todos gritam juntos:
“Então vamos à vida!”
Saem todos dançando, alguns levando livros embaixo do braço.
Entra o coro dos Pais cantando para a platéia:
“Eles vão ser aprovados, eles vão ser aprovados.”
E, um deles, em falsete:
“E a gente vai continuar igual, vai continuar igual, chatos pra burro!!!!”

IV – Algumas discussões sobre os temas levantados no livro

Pode ser também que em vez de representações, os jovens prefiram apenas discutir em conjunto os temas levantados pelo livro.

1 – O lugar físico onde vivem; como era antes, como imaginam que será no futuro; como estas modificações influenciaram o meio ambiente ou foram por ele influenciadas; como os jovens vêem a sua cultura regional.
2 – Em que tempo mental eles vivem; quantas horas do dia eles passam pensando no que já aconteceu ou no que vai acontecer; quanto tempo eles acham que gastam pensando de fato sobre o tempo presente.
3 – Em que tempo social eles vivem; quanto de progresso e tecnologia eles integram nas suas vidas, quanto de hábitos antigos eles preservam; qual o balanceamento que eles julgam adequado.
4 – Se eles podem ver a violência como uma última tentativa de solucionar um conflito, quando não há possibilidade de fala, de dizer o que se passa, com a voz, com as palavras; analisar se o que falta em determinado conflito são recursos intelectuais para entender a situação, recursos sociais como falta de auto-estima por causa de alguma exclusão social, ou o quê.
5 – A questão da leitura: uma maneira de conhecer algo que está longe, ou que aconteceu há muito tempo, ou que acontece aqui e agora mas com pessoas diferentes de nós; discutir se este conhecimento é o tal do recurso intelectual que pode impedir a violência contra nós e de nós contra os outros. Os jovens podem relatar as várias possibilidades de vida de cada um deles, como eles se encaixam no jogo social, quais as possibilidades de mudança para cada um.
6 – Como eles vêem a religião e o determinismo: se tudo é destino por que se esforçar para alguma coisa?, mas se há um ideal de perfeição por que não se esforçar para atingi-lo? Como os jovens se posicionam entre estas duas vertentes e como vêem a possibilidade de um pensamento não-religioso, o da convivência com a falta de um sentido maior, a convivência com o acaso.
7 – O impulso de obter sempre coisas cada vez mais maravilhosas, viver vidas cada vez mais estimulantes, poderia ser uma imposição do modelo econômico capitalista e sua necessidade de consumo? Discutir a ligação entre consumismo e consumo de drogas.
8 – O livro apresenta a ética do trabalho como uma possibilidade de prazer e realização; o que os jovens fazem com suas próprias vidas, o que fazem com o tempo livre e o que é exatamente “tempo livre”.