Vencedora do prêmio APCA, escritora vai reescrever e desenhar contos de Kafka em novo livro
Priscila Brito, para O Tempo
Considerada um dos maiores nomes da literatura nacional em atividade e agraciada neste ano com o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte de melhor romance por “Como se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas” (Companhia das Letras, 214 págs.), Elvira Vigna, 70, relativiza e faz provocações sobre esses títulos. Em entrevista ao Magazine, a escritora também fala de seus projetos atuais, a editora Uva Limão, especializada em publicações acadêmicas, e o livro “Kafkianas”. Ainda sem editor, a obra traz contos de Franz Kafka revistos por Vigna com o suporte de desenhos da própria escritora, evidenciando o uso dos dois instrumentos que ela afirma serem seus meios de realização: palavra e imagem.
“Como se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas” foi seu lançamento neste ano. Você está satisfeita com a recepção do romance?
Estou, sim. Tive medo de o livro ter uma acolhida superficial, grosseira, por conta do palavrão do título, mas não foi isso que aconteceu. Recebi resenhas excelentes (no sentido de serem análises acuradas, aprofundadas – e não só no sentido de serem positivas).
O livro ganhou o prêmio de melhor romance pela APCA. Que significado prêmios desse tipo têm para você?
A APCA tem boa fama. Afinal, a instituição é formada por críticos profissionais, em geral com background acadêmico irrepreensível. Mas prêmios nem sempre falam da qualidade do livro premiado. Considero natural: os jurados são pessoas, têm gostos pessoais, agendas regionais etc. Então, respondendo a tua pergunta: para mim, pessoalmente, prêmios não querem dizer muito. Para os livros, os prêmios são importantes. A grande imprensa não dá um espaço para literatura, e prêmios chamam a atenção para esforços que, do contrário, poderiam passar despercebidos.
O que motivou a criação da Uva Limão? Qual o principal objetivo da editora?
Foi uma iniciativa da minha filha, Carolina Vigna, sou apenas sócia. Meu filho também tem uma editora, a Estado da Arte*, onde eu também sou sócia.
* (nota: a Estado da Arte não possui site)
A editora tem até o momento três publicações. Há outros projetos em curso?
Há, sim. Mas ela pretende ir sempre bem devagar para manter a qualidade altíssima que oferece nas edições. Serão basicamente e-books na linha acadêmica, com revisão de texto (incluindo ABNT), traduções/versões de pequenos trechos, abstracts e citações, diagramação por designer e orientação sobre imagens. A Estado da Arte cuida principalmente de traduções de obras inteiras (ficcionais, inclusive).
Você cuida das redes sociais da Uva Limão – e as postagens têm muito bom humor, diga-se de passagem. Você gosta de redes sociais ou faz uso apenas profissional desses canais?
Não. Eu gosto muitíssimo da liberdade da internet. E (acho, não tenho certeza) o uso de rede social pode até trazer benefícios profissionais, mas disponho dessa comunicação principalmente por me trazer benefícios pessoais: é uma maneira de conhecer pessoas interessantes e divertidas.
Na minibiografia que consta em seu site, você menciona primeiramente seu trabalho como jornalista. Em seguida, fala de sua atuação como editora, do seu currículo acadêmico, dos trabalhos de artes visuais e do curso de cinema. Enfim, no último parágrafo, fala de seu trabalho de escritora, que é o que te tornou conhecida. Qual o peso que o trabalho de escritora tem nesse conjunto diversificado de atividades, tendo em vista tudo o mais que você realiza?
Na verdade, se você for ver, trata-se de vários usos de um mesmo instrumento, aliás, dois: a imagem e a palavra. Os dois, hoje, na minha vida, têm peso igual. Com isso quero dizer que me realizo – ou melhor, posso me realizar – da mesma maneira desenhando ou escrevendo livros.
Você fez um curso de roteiro e chegou a roteirizar livros seus. Foi apenas uma forma de exercitar o que foi aprendido ou você deseja um dia ver esses roteiros de fato virarem filme ou irem para a TV?
Tudo começou como um exercício de escrita. A linguagem do roteiro me parecia ter qualidades que eu gostaria de incorporar. E, de fato, passei (acho eu) a escrever com um peso ainda maior no visual do que já fazia antes, e acho isso bom. Quanto a livros meus virarem filmes, acho que eu não gostaria de fazer esses roteiros, da mesma forma que não gostava de ilustrar meus textos infantojuvenis do início da minha vida profissional. Acho bem-vinda a visão de outra pessoa. Enriquece.
Você tem algum projeto de artes visuais em curso?
Tenho um livro para jovens adultos chamado “Kafkianas”, em que, como acontece no meu “Vitória Valentina”, parte da narrativa se dá por meio de imagens. São contos do Kafka recontados por mim. Na minha visão, Kafka, antes de tudo, não obedeceu a fronteiras: mortos e vivos se falam, bichos e pessoas não são tão diferentes assim, muros não devem ser respeitados etc. Esse meu pensamento está expresso principalmente nos desenhos que abrem cada “reconto”. Esse livro, no momento, ainda está sem editor. Além dele, tenho também prontos projetos para textos do Tino Freitas e da Roseana Murray. O da Rose deve sair por uma editora mineira, a Lê, da Lourdinha (Mendes). O do Tino ainda está sem editor.
No documentário “Chico – Artista Brasileiro”, Chico Buarque fala sobre certo status de superstar dos escritores hoje em dia. Ele diz que antigamente o escritor era uma figura reclusa, mas hoje é colocado à frente dos holofotes, e escrever um livro implica estar presente em feiras literárias, falar com o público, fazer noites de autógrafos. Qual sua percepção sobre isso?
Faz parte de um processo que não acho positivo, que é o da espetacularização de tudo e todos. Mas, no caso de escritores, não esquento muito, não. Acho que, em princípio, ao escrever ou desenhar, o que eu queria desde o começo era me comunicar. De modo que se trata apenas de mais um jeito de me comunicar: num microfone!
É bastante comum você ser adjetivada como uma das grandes escritoras brasileiras da atualidade. Como você encara isso?
Acho engraçado. A língua portuguesa nos prega uma peça: uma das grandes e eu fico sem saber se o feminino me coloca na concorrência com outras grandes escritoras que, sim, temos. Ou se, por um milagre, o machismo e o sexismo não estão atuantes e seria eu um dos grandes escritores – independente de gênero – de hoje. Prefiro a segunda opção!
A Clara Averbuck já declarou que você foi uma das responsáveis por ela ter-se tornado escritora. Quem foram os responsáveis por você ter-se tornado escritora?
Ah, todos os adolescentes meus colegas de escola que não me consideravam bonita ou popular o suficiente para frequentar as rodinhas mais cool de Copacabana. Obrigada, queridos!!!