Rogério Faria Tavares* 

Nascida no Rio de Janeiro, em 1947, e falecida em julho de 2017, Elvira Vigna atuou no jornalismo, sobretudo como crítica de arte, havendo trabalhado em praticamente todos os grandes periódicos brasileiros, como a “Folha de S. Paulo”, “O Estado de São Paulo” e o “Jornal do Brasil”. Também artista plástica, chegou a fazer algumas exposições individuais. Polivalente, emprestou o seu talento como ilustradora às obras de vários autores, como Ruth Silviano Brandão, Maria Esther Maciel e Mino Carta.

Ainda se dedicou, por muito tempo, à literatura para crianças. Premiados, seus livros para os pequenos são sempre marcados pela originalidade e pela inteligência, negando-se a infantilizar os leitores, de que são provas títulos como “Viviam como gato e cachorro” (Editora Paz e Terra, 1978) e “Lã de Umbigo” (Edições Antares, 1979). O público jovem também foi contemplado por sua produção literária. “Mônica e Macarra” e a novela gráfica “Vitória Valentina”, dirigidos a ele, são dois exemplos importantes do interesse da autora em comunicar-se com o segmento.

Abordando, destemida, temas difíceis, como a marginalidade, a homossexualidade e a desigualdade social, esta última foi lançada em 2016 pela Editora Lamparina. Contista habilidosa, Elvira Vigna também escreveu “Kafkianas”, editado postumamente e ganhador do Prêmio Literário da Biblioteca Nacional de 2019. Foi no romance, no entanto, que ela se consagrou no cenário literário brasileiro, ao qual legou dez títulos.

A estreia se deu em 1987, pela Editora José Olympio, quando Elvira lançou “Sete anos e um dia”. O pano de fundo é dado pelos anos finais da ditadura militar e o momento inicial do processo de redemocratização do país, marcado pela liberalização dos costumes e uma terrível crise econômica, responsável por arruinar alguns dos sonhos mais caros aos protagonistas do enredo.

Inaugurando uma galeria de personagens femininas fortes e independentes, Catarina assume várias das bandeiras do movimento feminista da década de oitenta (e até hoje atuais), lutando pela igualdade de direitos entre mulheres e homens. Corajosa, a trama não evita nenhum assunto espinhoso, tratando de questões como a tortura, o aborto e o divórcio, cuja legalização ocorrera apenas poucos anos antes.

Lúcia, de “O assassinato de Bebê Martê”, de 1997, e Maria Teresa, de “Às seis em ponto”, de 98, enfrentam o poder do patriarcado e do machismo, insurgindo-se contra a figura do pai. Nina, de “A um passo”, lançado originalmente em 1990 e reeditado em 2004 e em 2018, planeja vingar-se do abuso sexual sofrido na adolescência, por parte de Gringo, seu professor de Matemática. Nita, de “Coisas que os homens não entendem”, de 2002, também por raiva da hegemonia masculina, irá disparar um tiro fatal contra Aureliano, filho de um antigo colega de trabalho.

Foi, no entanto, no último romance escrito por Elvira, “Como se estivéssemos em palimpsesto de putas”, publicado pela Companhia das Letras um ano antes de sua morte, que ela apresentou uma de suas personagens femininas mais poderosas: Lola, mulher de João, que, mesmo frequentemente traída pelo marido, consegue levar sua vida adiante, altiva e vitoriosa.

*Jornalista e presidente da Academia Mineira de Letras