Infanto-juvenis – críticas

ELVIRA VIGNA: INFANTIS – críticas

 

 

arquivos internos de ‘infantis’:
a breve história de asdrúbal, o terrivel – fora de catálogo
a verdadeira história de asdrúbal, o terrível – fora de catálogo
asdrúbal no museu – fora de catálogo
o triste fim de asdrúbal, o terrível – fora de catálogo
viviam como gato e cachorro – em catálogo (ed. dimensão)
a pontinha menorzinha do enfeitinho do fim do cabo de uma colherzinha de café – em catálogo (ed. positivo)
uma história pelo meio – fora de catálogo
problemas com o cachorro? – em catálogo (ed. positivo)
lã de umbigo – fora de catálogo
mônica & macarra – fora de catálogo
o jogo dos limites – trecho – fora de catálogo
o jogo dos limites – oficina escolar
vitória valentina (graphic novel) – em catálogo

 

 

 

 

 

clara averbuck é uma pessoa que admiro e respeito.

nos conhecemos torto, como acontece muito comigo.

gosto dela de montão.

aqui, ela conta (01/09/2016):

A arruda da Elvira Vigna
Sempre fui uma leitora voraz, graças à minha mãe, Heloiza Averbuck, que, independente de situações financeiras complicadas na minha infância, sempre deu um jeito de arrumar livros. A Feira do Livro de Porto Alegre, com seus até 90% de desconto nas publicações, era a grande época do ano pra mim. Eu voltava pra casa abraçada naquelas pilhas e com o maior sorriso que poderia caber no meu rosto.
Um desses livros chamava “A verdadeira história de Asdrúbal, o terrível” e foi um dos meus preferidos durante toda a infância. Foi publicado no ano em que nasci, 1979, mas chegou às minhas mãos em 85. Foi amor à primeira leitura e logo mais minha mãe comprou outros livros da série, um deles pelo saudoso Círculo do livro. E foi assim que Elvira Vigna entrou na minha infância, em mal sabia eu, na minha vida.
Elvira é, sem dúvida, uma das maiores e mais originais escritoras brasileiras. Ela tem dezenas de livros incríveis publicados, alguns infantis, muitos romances. Seu “Nada a dizer” bateu fundo nas minhas entranhas. Que livro. Que escritora. E que mulher. Cheia de prêmios, cheia de honrarias. Não que isso importe em um país em que a Academia Brasileira de Letras é uma piada?—?e uma piada com bem pouco apreço às mulheres. A obra dela se destaca e vive independente disso.
Quando eu era jovem e louca tentei marcar uns encontros com ela. Uma das responsáveis por eu ter escolhido essa profissão que, via de regra (e toda regra tem suas exceções) faz com que a pessoa precise ter outros trabalhos pra se sustentar. Tradução, preparação de texto, roteiros, peças de teatro, enfim; conheço pouquíssimos escritores que vivem de fato da venda de seus livros. Marquei e não fui. Eu estava louca, afinal, mas ela não tinha nada com isso e não quis mais saber de mim.
Até este ano. Em 2016 eu conheci Elvira Vigna, sua casa, suas plantas, seu café, seu bolo e seu marido. Sentamos na sala por horas falando sobre Todas As Coisas e foi um dos momentos mais incríveis dessa vida. Eu estava na casa da Elvira, ela, a minha escritora preferida que ainda pisa sobre a mesma terra que eu, ao mesmo tempo. Que carrega muitas das mesmas angústias porque somos mulheres, somos escritoras e sabemos do nosso talento. Que sabemos exatamente o que nos atravanca o caminho. A Elvira, cara.
Ficou tarde, autografei meu novo livro, deixei de presente e caminhei pro metrô feliz da vida. A Elvira! Que dia. Que dia bom.
Outro desses dias, quando eu já estava começando a sentir a pneumonia que me acometeu e a sinusite que não me abandona, minha amiga Monique Prada foi lá também, pra conversar sobre o novo livro da Elvira, “Como se estivéssemos em palimpsesto de putas“. Não consegui sair de casa, quis muito, mas não deu.
Monique voltou com uma mudinha de arruda, presente da Elvira, que disse que estávamos precisando.
Estávamos mesmo.
A mudinha está crescendo bem linda. Chegou aqui um bebezinho, uma coisinha, mas tenho dado muito sol, água e amor e ela está crescendo no vasinho verde de cerâmica ao lado das outras coisas que eu plantei e curto tanto ver crescer.
Todos os dias eu acordo, vou até a cozinha, faço meus chás e minhas bruxarias e vou lá ver as plantinhas. Ela é a primeira que eu vejo, cada dia maior, a mudinha de arruda que Elvira Vigna, a grande escritora brasileira, Elvira Vigna, uma das madrastas da minha escrita, Elvira Vigna, ela mesma, me mandou desde o Paraíso até a Consolação.
Obrigada, Elvira. Vou cuidar dessa plantinha e fazê-la crescer como cresceu a escritora em mim, com a outra mudinha que você me deu sem saber.

 


“Vitória Valentina”, apresentação em vídeo feito para o curso preparatório de vestibular Jadoski, Florianópolis, abril/2016

 

 

 

“Vitória Valentina”, curta-metragem feita a partir do livro.

 

 

“O silêncio dos descobrimentos”
(livro contendo textos meus e de Roseana Murray, desenhos e projeto meus, mas que não incluo na lista de livros meus, em resenha de Neide Medeiros Santos de setembro/2015)

 

 

 

“Vitória Valentina” na rádio da UFMG em 16/06/2014

 

 

 

 

 

“Vitória Valentina” no Festival da Mantiqueira, em 05/04/2014, em mesa com Maria Valéria Rezende, Evandro Affonso Ferreira e o mediador Sérgio Rodrigues.

“Vitória Valentina”, curta-metragem feita a partir do livro.
(link do youtube)

 

 

 

 

 

 

 

Correio Braziliense, 21/01/2014, por Nahima Maciel e Guilherme Pera:

 

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(mais uma parte da entrevista foi publicada online.)

 

 

Vitória Valentina, de Elvira Vigna – por Marco Severo em Qual é a tua obra?  15/12/2013
Há alguns anos, tive um choque ao ler Daytripper, dos cartunistas brasileiros Fábio Moon e Gabriel Bá. Até então, eu tinha verdadeira ojeriza àquilo que se convencionou chamar de “graphic novel”, ou romance gráfico: o escritor cria uma trama, geralmente inédita (digo isso porque há também muitas adaptações de romances consagrados), e une a imagens que podem, ou não, ser também criação do escritor.
Foi a partir do mencionado Daytripper que vieram em seguida Fun Home (Alison Bechdel), Pagando por sexo (Chester Brown), A máquina de Goldberg (Vanessa Barbara) e muitos outros. Finalmente eu havia entendido como, sob muitos aspectos, a união de palavras + imagem poderia dar um resultado tão sui generis.
Qual não foi minha surpresa, então, quando me veio parar nas mãos o mais novo trabalho da Elvira Vigna, escritora que descobri em 2010 com o romance Nada a dizer.
Elvira é dessas escritoras cuja obra tira o nosso chão. Pegue qualquer livro dela, e você será chacoalhado. Todos são romances pouco convencionais. Ler Elvira Vigna é saber que nada é o que parece; têm-se a impressão de estar num jogo de espelhos. A narrativa vai, volta, volta mais ainda, corre lá pra frente – e o leitor vai montando os pedaços e construindo os sentidos. Quando tudo se encaixa, a certeza que fica é que quem determina muito do que está ali, impresso sobre o papel, é o leitor. Porque é exatamente assim com a vida real: você faz a sua leitura diante dos fatos. Sofrimento, prazer, delírios, tesões, pancadarias e assassinatos: tudo depende do olhar, e cada olhar é regido pelo que há dentro do olhar de quem olha, e pelo que há fora, e isso muda quando quem olha sou eu, você, o Zé ou a Elvira Vigna.
Vitória Valentina (editora Lamparina, 128 páginas) não poderia ser diferente disso. O romance vai e volta no tempo, é construído com pedaços de um quebra-cabeça e aos poucos vai adquirindo corpo e sentido(s). Começa com uma tragédia numa favela: um casal mata um outro casal de vizinhos para roubá-los. Só que na fuga eles não encontram sorte melhor e também morrem num acidente de moto. Os filhos dos casais, (Carla) Vitória Valentina e Nando, terminam por ficarem amigos e crescem juntos. Nando é negro, é gay, e pra lutar contra seu medo atávico de motos, resolve ser motoboy. Carla torna-se professora, mas também trabalha como uma espécie de “babá-professora” pra ganhar mais uns trocados. E Nando, para complementar a sua renda, vende fotos de interesse para portais da internet. Nando e Carla tornam-se cúmplices, unidos pela força de uma enorme amizade construída a base das adversidades pelas quais passaram e passam na favela. Acontece que um dia Nando vê uma entrega de dinheiro, que sai das mãos de um empresário até então sem máculas e vai parar nas mãos de um traficante. Como fator complicador, temos o fato de que o dono do portal de notícias resolve armar um plano para pegar empresário e traficante em flagrante, só que o plano dá errado, claro, e é aí que os protagonistas têm que buscar usar da sagacidade e resiliência pra sair da enrascada. Nesse ínterim, surgem o desejo, a abnegação, a tolerância consigo mesmo e com os outros.
Num texto afiado repleto de humor e perspicácia, Elvira Vigna critica esses valores cada vez mais em voga na nossa sociedade, como o consumismo, a força do poder econômico que oprime os que dependem da sua vontade, e um libelo contra o machismo, e a favor da liberdade do ser e de ser, tudo isso numa junção perfeita entre texto e imagens em preto-e-branco que, como a própria autora define, são imagens “sujas”. Um deleite para os olhos, mesmo que muitas vezes representem aquelas velhas questões sociais que continuam aí, pra quem quiser ver, e que continuam doendo naqueles que ainda não se “icebergdificaram”.
O livro é curto, delicado e profundo, como tudo o que sai de dentro dessa autora que existe para tirar a literatura brasileira do marasmo, e que deveria ser muito mais reconhecida e lida neste país. Um dia será, mas enquanto esse dia não chega, temos a sorte de ter uma escritora de tal envergadura sempre criando, inventando e colocando para o mundo não as suas verdades, mas seus questionamentos e suas indignações. E é por isso que devemos ler Vitória Valentina. É por isso que devemos prestar muito mais atenção na arte desta escritora sem precedentes.

 

 

 

“Pensar com Heráclito”
(blog Nina e suas letras, agosto/2013)

O que é a arte? Pra mim, a melhor definição, a grosso modo, (se é que a arte pode ser definida) é: “A arte consiste em libertar a vida que o homem aprisiona”, do pensador francês Gilles Deleuze. Qual é a vida que andamos aprisionando por aí? Pois bem, acredito que “Pensar em Heráclito”, ajudou a libertar alguns que estavam presos em mim…
Um livro pra quem gosta de arte. É um livro “pequenininho”, como a própria ilustradora disse, mas, em minha opinião, de grande valor artístico. A obra é composta por pinturas de Elvira Vigna que, por sua vez, “conversam” com diversas citações de Heráclito que fazem uma combinação belíssima. Para Heráclito “tudo o que existe está em permanente mudança ou transformação”. Talvez seja esse sentimento de mutação que se instaurou em mim durante a leitura do livro.Ao apreciar o livro, deu-me uma vontade imensa de ver de perto os quadros e tocar as paisagens belamente representadas. Que coisa maluca um livro é capaz de fazer com a gente, não? Pinturas que te transportam para lugares encantadores, limpos, belos e puros. Pinturas que te dão vontade de pegar um pincel e pintar (mesmo você nunca tendo levado jeito pra coisa). Acho que a arte é para os loucos, os normais não entenderão.

 

 


 

Palestras:

Mesa-redonda “Uma viagem por diferentes países: a ilustração em diferentes contextos culturais (parte II)” com Elisabeth Teixeira, Eva Montanari, Renata Bueno, em 04/11/2014 na Feira do Livro de Porto Alegre.
Uma das tentativas de título dessa mesa era Feminino e ilustração’. Nunca topo esse tipo de recorte. Mas o que tenho para falar chega perto de ambos os títulos. Vou falar de uma mudança que vejo muito clara nas artes e que, caso a arte anuncie o futuro (o que acho que ela faz), será então uma mudança também e principalmente no social e cultural. A mudança que eu vejo pertence ao processo de morte do moderno, iniciado faz tempo.
E aí, nesse meu pensamento, não importa se você considera ilustração arte ou mera informação adicional ao texto. Porque a questão diz respeito ao processo de aquisição. E tanto faz se você está adquirindo uma informação sobre o texto ou tendo uma experiência artística transformadora.
No contemporâneo, e não no moderno, este é um processo não linear, não necessariamente racional e não autossuficiente. Vem de uma concomitância não hierarquizada e efêmera de situações, tempos, espaços. Você considera que você coabita com aquilo-outro. Você aceita isso.
Quando digo que a ilustração pode anunciar um mundo não ainda estabelecido, ou seja, que é ou pode ser arte, isso não quer dizer que toda a ilustração que se vê no mercado seja isso. Pelo contrário. Há mesmo uma resistência muito grande do velho, do confortável, de um “bonito” que acalma.
Separei dois grupos de livros de forma bem superficial, já que não me interessa aqui fazer uma análise do mercado, nem teria eu capacidade para tal.
Então, nesses dois grupos, o mais numeroso é o que traz uma velha e segura representação de heranças culturais comuns. São livros de luxo em geral traduzidos e já com uma produção estabelecida em seu país de origem, em obediência à lógica da economia de escala.
O outro grupo, que se pretende contrário ao primeiro, exibe imagens em geral equivocadas de formações identitárias locais.
Como exemplo desses últimos, estão os livros feitos por representantes de grupos indígenas sul-americanos, grupos étnicos de origem africana. Entre esses supostos representantes estão às vezes autores oriundos da academia que desses grupos se arvoram como porta-voz. São as reproduções dos mitos fundantes dessas culturas locais. Quando eu disse que há um equívoco nesses livros, me referia ao seguinte. São livros destinados a crianças. E os mitos fundantes originais desses grupos não se destinam a crianças. É a homogeneização ocidental que relega as culturas indígenas ou africanas ao público infantil porque é ela, a cultura ocidental globalizada quem qualifica esse outro, diferente dela de forma irredutível, a uma categoria próxima à ingenuidade, pureza, a um algo menor, disfarçado por uma idealização compensatória. Ou seja, algo infantil.
Nem o primeiro exemplo (o livro de capa dura com imagens oriundas de uma herança cultural comum) nem o segundo exemplo (o livro que se refere a formações identitárias específicas) dão conta da mediação, da presença de um meio comum que só reaparece no contemporâneo, e que é caracterizado pelo desaparecimento daquilo que foi, no moderno, limites ou fronteiras fixas.
Se eu comparo livro a museu, a coisa fica mais clara. Hoje, museus são meios de passagem, são ambientes em que se experimentam cruzamentos. Não são bastiões de defesa daquilo que foi, do passado. São aprendizado para lidar com o que é com o que será. Livros também deveriam ser isso. Museus ainda mantêm a arquitetura de um poder impositivo, masculino e moderno. Prédios enormes, ícones de um display de espetáculo público do poder, cada vez mais ridículos em meio à pulverização e diferenciação culturais crescentes de uma cidade atual. Livros também.
Posso inverter a comparação e em vez de mostrar livro como museu, mostrar museu como livro. Também dá certo, pois quando os museus surgiram, no século XIX, eles eram uma espécie de antologia literária. Estavam lá para ratificar a excelência de um cânone nacional através de uma espécie de catálogo demonstrativo. Existiam para estabelecer, sedimentar, o imaginário de uma dada comunidade. Guiá-la. E essa função de guia do imaginário é apenas um dos aspectos da arrogância característica da época. Hoje, livros ou museus que pretendam se alinhar a um projeto de excelência de tradição nacional ou global sofreriam, ambos, igual crise de legitimidade.
Chego aqui à principal característica do que considero uma ilustração contemporânea. Ela não é perfeita. Ela mostra seu processo, suas hesitações, e ela tem espaços que acolhem um diálogo com o leitor/coautor. A imagem “perfeita” que não dá entrada ao leitor é um museu onde ninguém vai.
Essa imagem contemporânea de que falo aqui tem uma especificidade de função e de processo. A função não se dá mais no coletivo, na massa, supondo um “nós” cada vez mais fluido, mutável, efêmero. A função é exercida sobre cada sujeito e é uma função dialógica, de transformação. Já o processo de como essa função se estabelece será um processo que, embora mire cada sujeito individualmente, se dará no espaço de uma intersubjetividade. O espaço comum de que falei no início. Além disso, além do processo se dar em um espaço comum, ele é transparente. Ou seja, como eu já disse, não se disfarça a tentativa e o erro, até porque não há exatamente erro.
Então, como eu vejo: a função do livro e do que tem dentro dele, assim como a do museu, hoje, não é mais de conservação ou de reafirmação cultural. Até porque isso não mais seria possível. Mas de abertura e diálogo. É um pensamento em andamento.
Um aparte. Trata-se de diálogo com um leitor educado na presença da tecnologia. Embora os livros com imagens tradicionais, oriundas da herança cultural comum, sejam os dominantes no mercado, o leitor a quem ele supostamente se dirige está acostumado com o contrário disso. Ele convive com imagens que flutuam no quadrado sem fundo da tela do computador. Imagens que não têm, em si, um valor ou um significado fixo. Imagens que dependem da leitura e do aporte de um outro para continuar o caminho nunca esgotado da significação. Dependem de um  leitor coautor.
O conhecimento mudou. Achamos que o mundo, hoje, é algo interpretável. Interpretações são sempre várias e trazem consigo uma mediação, um processo de significação. Não há um significado pronto. Não há nada pronto. Quando faço uma imagem preciso levar em conta qual é o grupo a que pertenço. Ou grupos, e por quanto tempo. Quem é o “nós”. Esse “nós” vai entender (ou não) o meu “o quê”. E vou deixar claro o  “como” e, com certeza, o “por quê” – já que a postura de distanciamento crítico é um saudável cacoete nosso de agora. Não tem nada pronto e não tem nada garantido.
Então estou falando de um alto grau de indeterminação, de falta de controle. Estou dizendo que composições ordeiras, disciplinadas, com estruturas corretas, tradicionais e rígidas, conteúdo explícito, são reflexo de uma ideologia que acabou com o século XX. Hoje, no lugar disso, entram as visões múltiplas, o acolhimento de diferenças, o livro como um lugar legítimo para dúvidas. O livro como uma zona de contato. Meu trabalho de artista ou de escritora passou a ser menos autoral e mais colaborativo.
Isso se dá pela convivência de formas elitizadas e vernáculas, por uma redenção do oral, por espaços abertos onde possam emergir aspectos suprimidos da história que está sendo contada, mostrada. Enfim, uma mediação cultural ou o “terceiro espaço”, termo do filósofo Homi Bhaba onde se enuncia a diferença.
Esse mundo que a arte nos permite supor é um mundo sem linhas retas, sem espaços de fronteiras rígidas, competições entre campos, hierarquizações, Ou de narrativas fechadas na linha reta das causas, ações, consequências. É um espaço abrangente, includente e de influências horizontais sem fim. Mais feminino, por assim dizer. Ou, melhor dizendo, sem a marca de gêneros – quaisquer gêneros – que era o que determinava o moderno. Ou ainda, sem a marca de países, mas de grupos que se formam e tornam a se formar.

 

 

 

Palestra no evento Literatura: arte em palavras, dirigida a adolescentes da rede pública do município de Osasco  em 08/08/2011, a partir da adoção de ‘Problemas com o cachorro?’

‘Caricatura’ vem de carregar; é a mesma palavra de ‘charge’, em francês.
E isso porque se ‘carrega’, se condensa algum detalhe para obter o riso.
Você pode fazer isso de duas maneiras: a maneira anamórfica e a maneira metafórmica.
– anamórfica é você caracterizar um nariz como sendo um nariz muito grande, maior do que é, mas ainda assim um nariz;
– metafórmica é você caracterizar o nariz como tromba de um elefante, ou seja, como outra coisa que não é um nariz.
Mas uma ou outra maneira sempre vai estar baseada em uma insuficiência, uma falha.
E aí você pode fazer duas coisas: ou rir dessa insuficiência que você acha que é do outro ou rir dessa insuficiência porque você acha que ela também pode ser sua. É a diferença entre rir de alguma coisa e rir com alguma coisa (ou alguém).
Há um aspecto importante nessa coisa de descobrirmos falhas (só nos outros ou em nós também).
É que só através da descoberta de falhas vamos poder entender as coisas de forma diferente daquela que estamos acostumados.
Por exemplo, o nariz. Só quando descobrimos que narizes nunca são iguais podemos descobrir que há muito mais coisa que não é igual, e que isso não quer dizer que um nariz seja ‘melhor’ do que outro.
Inclusive, o nariz considerado bonito aqui pode ser feio em outra região da terra.
Se você desenha uma caricatura de um nariz muito grande, você estará fazendo uma coisa muito importante: você está saindo da cópia do real. Você está exprimindo uma maneira pessoal de ver as coisas. Um desenho exagerando o nariz de um colega vai estar mostrando muito mais sobre quem desenhou do que sobre quem foi desenhado.
Há um problema com quem faz isso (desenhar caricaturas dos outros). As pessoas viciam. Todo mundo sempre vai esperar por mais caricaturas. Mesmo quando você preferir que as pessoas te vejam de outra forma (lembre-se, é você quem se mostra mais, quando desenha o outro). Você cria um padrão para você mesmo: aquele que caçoa dos outros.
O riso fixa um momento no meio de uma história muito mais longa. Fixa um momento em que você ria dos outros. Você é muito mais do que isso. Mas será este o momento que ficará fixado. Fixa também o momento do ‘assunto’ do riso. Por exemplo: um tombo. O tombo começa antes do tombo. Começa com o buraco que provocou o tropeção. E continua depois, com o machucado. Mas o que fica são as pernas para o ar.
Momentos fixos nunca são bons. Impedem que se vá para a frente.
Tanto é assim que mesmo os quadrinhos de jornal evitam o momento fixo.
Garfield, Snoopy, Mafalda.
Cada tira a cada dia tem um humor dela própria, uma piada que acaba ali mesmo.
Mas o quadrinho não acaba. Há um enredo que continua. O dono do Garfield arranja uma namorada, sai para jantar, o primo do Garfield vem visitar. Isso evita que haja um momento assim, tão fixo. Uma maneira de falar sobre essa parada no tempo que o riso pode dar é dizer que o tempo virou espaço. Ou a espacialização do tempo. É quando aquilo que já falei acontece: some o antes e o depois, fica só um momento fixado, imóvel.
Há uma diferença entre humor, piada e comicidade. O humor está sempre diluido em uma história longa e única; a piada é uma história bem curta, também única, e cujo desfecho é imprevisto. A comicidade é quando o desfecho é previsível, porque é uma história ou situação que é sempre igual. Humor é o que eu faço nos meus textos para jovens e crianças. Piada é separada, cada uma é uma, e não tem nada a ver com outra. E comicidade é programa de televisão, quando você já sabe que este ou aquele personagem vai sempre agir desta ou daquela maneira.
É claro que isso não quer dizer que riso seja ruim. Não. Imagina. Mas é sempre bom entender por que mesmo estamos rindo.

 


 

Trabalhos acadêmicos:

 

TIETZMANN SILVA, Vera Maria. Rede de Leitura/Cátedra UNESCO junto à Universidade Federal de Goiás, setembro 2011. Poesia juvenil, Roseana Murray.
trecho:
“(…) O seguinte livro que iremos aqui comentar é O mar e os sonhos, editado em 1996, quatro anos depois de Receitas de olhar. A ficha catalográfica classifica O mar e os sonhos como poesia brasileira, mas o formato e o projeto gráfico indicam pertencer ao catálogo infantil da Editora. Portanto, ainda que explicitamente não se rotule como poesia juvenil ou infantil, o livro mantém essa ambiguidade em relação ao seu leitor potencial, dada pelo contraste entre formato e linguagem. Isso também pode ser constatado em outros livros da autora. A dicção estetizada dos poemas tem seu contraponto também estético na linguagem pictórica das ilustrações, ambas distanciando-se das facilitações de leitura próprias do texto infantil.
Este livro tem ilustrações de Elvira Vigna, que já havia ilustrado Receitas de olhar com imagens não figurativas, manchas difusas e coloridas sobre o fundo branco do papel, compondo o que se convenciona chamar de arte abstrata. A técnica usada por Elvira Vigna na ilustração de O mar e os sonhos ainda parece ser a mesma de Receitas de olhar, mas neste novo livro o estilo tende para uma representação mais impressionista do que abstrata. Nas manchas de tinta podem distinguir-se imagens do universo marinho, como gaivotas, barcos, peixes, ondas, espumas. Marinhas também são as cores, em que predominam os tons de verde e azul, com incursões das cores do sol e do céu em algumas pranchas.
De contornos indefinidos, as imagens pintam o cenário em traços rápidos, sem contornos, não mais que impressões, em perfeita sintonia com os poemas de Roseana, também visões fugazes e fugidias de cenas mais sugeridas do que descritas.”

 

 

ANDRADE PARAÍZO, Mariângela. Mestrado em Estudos Literários.  Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Brasil. Título: Silêncio e Eco – uma leitura do narrador na obra de Elvira Vigna, Ano de Obtenção: 1990. Orientador: Maria Luíza Ramos.

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